O que é, o que é?
O que é, o que é?
Por Paulo Heuser
Para orgulho de Godoberto, o pai, Bertogodo, o filho, adquiriu o saudável hábito de ler avidamente o jornal. Mal volta da escola, joga suas tralhas na cama e corre para a sala. Sentado ao lado do pai, devora o jornal, cuidadosamente, não deixa escapar uma linha que seja. Lê e pergunta ao pai sobre aquilo que não entende perfeitamente:
- Pai, o que é colupção?
- Corrupção, filho?
- Isso, cor...rupção...
- Bem, meu filho, a corrupção existe quando alguém paga para que outro faça algo ilegal, ou errado, para tirar proveito. Entendeu?
- Acho que sim. É como quando você deu dinheiro ao garçom do restaurante para furar a fila no Dia das Mães e conseguimos uma mesa antes daqueles que chegaram mais cedo. Lembra?
- Não, meu filho! Aquilo foi gorjeta!
- Mas, você deu gorjeta depois, também...
- Parcelei a gorjeta em dois pagamentos, na verdade. Assim o garçom deu desconto. Melhor para ele e melhor para nós. Melhor para todo mundo.
- Hummm... Não entendi. Não é ruim para os que chegaram antes?
- Ah, meu filho. Eles esperaram mais porque não deram a gorjeta antes, apenas depois do almoço, quando já era tarde. Se quisessem sentar-se à mesa antes, que pagassem antes. Lembre-se do provérbio que sempre lhe ensino: “Deus ajuda quem cedo madruga”.
- Mas, nós chegamos depois e sentamos antes...
Sete longos segundos, decorridos entre uma frase e outra.
- Deus não se referia a chegar antes, e sim a pagar a gorjeta antes!
- Sei, só tem uma coisinha que ainda não entendi: se todo mundo der gorjeta antes, quem vai sentar primeiro?
- Ora, filho, quem der a maior gorjeta antecipada. É justo, não é? Entendeu agora?
- Ãhã...
- Que bom, meu filho. Avise-me, se surgir alguma nova dúvida. Estou aqui para orientá-lo na vida. Se os pais não educarem os filhos, imagine só como ficará o mundo. Será um deus-me-acuda!
Bertinho vira a página e concentra-se em nova matéria. Irrequieto, balança as pernas e sacode o corpo para frente e para trás. As páginas passam, enquanto as dúvidas crescem. Ele torna-se um saco de dúvidas prestes a explodir, mas se mantém quieto. Não voltará à mesma questão, pois parecerá bobo perante o pai.
Eis que Togoberdo, o avô, adentra sala. Deixa o corpo desabar na cadeira de balanço, que geme na mesma freqüência das oscilações do Bertinho, e fala:
- Você aprendeu algo de novo hoje, meu netinho?
- Sim, vovô! Descobri que deus ajuda quem cedo paga, e que o pessoal de uma construtora almoçou no mesmo restaurante onde almoçamos no Dia das Mães!
Marcadores: Corrupção, educação, exemplo paterno
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