22.6.07

Mataram o Karlsson

Mataram o Karlsson

Por Paulo Heuser

Todos necessitamos de um porto seguro (sem Passarela do Álcool). Um lugar onde podemos fundear nosso barco da vida. Os primeiros portos seguros da vida são a casa, a cama e a família. Para os menores, o travesseiro ou aquela fralda especial. Quando dormem fora, levam-nos junto, pois os sons e a imagem do outro local são estranhos. O travesseiro é o elo de ligação com a casa. Na medida em que crescemos, vamos necessitando menos do porto seguro físico, dando mais importância ao porto seguro sentimental: a casa da namorada. Lá tudo é maravilhoso, menos o sogro, evidentemente. Ele crê ser o dono da casa. Futuros cunhados também são potencialmente estranhos.

Chega o momento no qual deixamos nosso tão saudoso porto seguro. Vida nova, nova casa. Levamos algum objeto que nos recorde da antiga, na qual crescemos. Substitui a fralda e o travesseiro. Quando isso não ocorre, pode valer a pena investigar as causas. Não é normal levar a fralda à casa da namorada. O sogro estranha. Muito. Em alguns momentos da vida nos esquecemos do passado, lançados no turbilhão da nova vida. Tudo é novo, até o porto seguro se vai. Até os sogros se vão. Eis o momento em que os portos seguros institucionais se tornam importantes. Aí ficamos chatos. Só bebemos determinada marca de qualquer coisa, viramos as fatias de torta sempre no mesmo sentido, comemos primeiro a parte de fora do sonho-de-valsa, lemos o jornal de trás para diante e assim por diante. Maníacos, nos mantemos seguros, ligados a qualquer coisa. Esqueça a fralda, no entanto. Mesmo sem sogro, estranham.

Meu penúltimo bastião institucional era o Karlsson. Coitado, morreu. Soube que andava moribundo, faz algum tempo. Convivi com ele por tantos anos, sem saber de nada. Soube que era finlandês. Pois o Karlsson inventou um método de contagem de impulsos telefônicos que em breve deixará de ser utilizado. Quem o matou diz que a tarifação dos telefonemas com medição em minutos é muito melhor, mais transparente. Não concordo. Levei décadas para entender como funciona o método de Karlsson Acrescido, ou Multimedição, e, agora que entendi, querem tirá-lo de mim. Coisa bonita, estatística, com sabor de jogo de azar. Há uma probabilidade de se pagar um valor qualquer. Qual é a graça de se saber exatamente quanto se pagará por uma ligação de tempo determinado? Onde ficará o diferencial do meu saber? Nós, que aprendemos (e entendemos) o método, seremos míseros mortais.

Nem bem resignado pela perda dos impulsos, recebo a terrível notícia da iminência da nova reforma ortográfica. Onde irão parar os tremas? Tremo só de pensar. Que sabor terão as lingüiças? Linguiças sem trema terão gosto de papelão, gosto de globalização. Que valor terá o cinquenta? Se o vôo - com acento circunflexo - causa enjôo, imagine como será o voo com enjoo. Uma sequência de horrores para os que leem, completamente fora de frequência. Ideias sem acentos, ao retirá-los dos ditongos abertos das proparoxítonas, essas felizes, por mantê-los. Para que servirá um para-choque? Quem pára os choques é pára-choque!

Tenho medo. No espaço de menos de um ano ficarei sem Karlsson e sem tremas. Terei de substituí-los por outra coisa, encontrar um novo porto seguro. Algo pétreo, perene, solidamente imutável. Mas, o quê? Rolos de papel higiênico de 30 metros?
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2 Comments:

At sábado, 23 junho, 2007, Anonymous Anônimo said...

Oi, achei teu blog pelo google tá bem interessante gostei desse post. Quando der dá uma passada pelo meu blog, é sobre camisetas personalizadas, mostra passo a passo como criar uma camiseta personalizada bem maneira. Até mais.

 
At domingo, 24 junho, 2007, Blogger José Elesbán said...

E o pior é que o rolo de 30 metros é trampa dos fabricantes para aumentar o preço sem os outros perceberem. Lembra que eles eram de 40 metros?
E agora a gente encontra rolos de 20 e de 60 metros no supermercado. Não há mais em quem ou em que confiar.

 

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