8.6.07

Retorne à Sua Poltrona!



Retorne à Sua Poltrona!

Por Paulo Heuser


Meu primeiro vôo em avião comercial, em 1976, não foi dos mais calmos. Uma turbulência forte incomodou a todos, durante boa parte da viagem. O avião sacudia tanto que se tornou impossível o acesso ao toalete. Ato que se tornava premente, no meu caso. Decorrida meia hora de sacudidas, o avião passou a voar em céu de veludo. Aproveitei a vantagem tática de estar sentado próximo ao toalete e me joguei na direção dele, pisando sobre senhoras idosas cegas, criancinhas e paralíticos. Aquele toalete tinha de ser meu, urgentemente, a qualquer custo! E consegui adentrá-lo no momento exato em que a turbulência reiniciou. Do que ocorreu após, nada me lembro. Ou melhor, nada quero lembrar.

Lembrei-me daquele vôo das 19h15, da finada Vasp, conhecida depois como “Malufthansa”, enquanto tentava operar – será o termo mais correto? – o toalete de um hotel francês. A palavra banheiro não cabe lá dentro. Fica toalete mesmo, portanto. A coisa foi pré-fabricada em uma peça única, de fibra de vidro. Tudo, desde a pia até o vaso sanitário. Era um vaso mesmo, muito distante da noção que fazemos de um trono. Tronos têm tampa estofadinha, formato anatômico e espaço livre ao redor, muito espaço. A coisa não tinha nem tampa! Exigia mira perfeita, ou aquele procedimento impensável para um gaúcho de múltiplos costados: fazer sentado. Jurei, por um momento, que se ascendera um aviso luminoso, em vermelho, na parede oposta: - Retorne imediatamente à sua poltrona! Cheguei a me segurar, temendo a turbulência. Nada, a turbulência não veio. Também, não havia nada onde se pudesse segurar. A coisa era toda lisa, imitando o piso do box, parte integrante e irremovível.

O banho na coisa é inesquecível, infelizmente. Melhor seria a ingestão de substância amnésica, uma hora antes do vôo, digo, do banho. – Céus, a coisa se moveu? – Aberta a cortina “de matéria”, puxei a torneira, aguardando a água esquentar. Sabonete e xampu na mão, lá me fui, todo contente. Não tão contente assim, pois descobri não haver lugar para pendurar a toalha. Comprovei também o princípio físico que afirma que cortinas “de matéria” se grudam instantaneamente no banhista, seja onde este estiver. Homem, mulher e cortina passam a formar uma entidade só, integrada à coisa. Há outro princípio físico que explica por que o sabonete de hotel sempre cai. Há uma terrível força de atração entre o piso do banheiro (a coisa) e o sabonete, de mesma direção e mesmo sentido da força gravitacional. Muito maior em módulo, no entanto, definida por Fs=mAs. Lê-se como: a força de atração sabonítica é igual ao produto da massa do sabonete pela aceleração sabonítica, ainda não perfeitamente mensurada. Como a força aparentemente tende ao infinito, já que ninguém consegue segurar o sabonete, e a massa dele é fixa, acredita-se que a aceleração tende igualmente ao infinito. Só não descobriram ainda por que a aceleração cresce na proporção inversa da área do box. O fato é que ninguém, ninguém mesmo, consegue tomar banho lá sem deixar cair o sabonete. Não há saboneteira naquela coisa, além do mais. Enquanto se desvencilha da cortina, a pessoa usa uma mão para segurar a ducha, que nunca fica no lugar, outra mão para segurar o xampu e a última para passar o sabonete, aquele que cairá.

Juntar o sabonete é praticamente impossível, pois não há espaço de manobra. É muito mais fácil iniciar outro banho. Desde que você consiga se desgrudar da cortina “de matéria”, que se gruda feito polvo famélico. Aí tudo se torna muito fácil. Basta entrar novamente no box, puxar novamente a torneira, segurar firmemente o sabonete, perdê-lo novamente, etc. Em caso de desespero, não puxe aquela cordinha, único local onde alguém poderia se segurar. O mico de ver a equipe de resgate entrando na coisa é grande. Pelo menos, lhe desgrudam da cortina “de matéria”.

Essa história sobre os franceses não gostarem de tomar banho é bobagem. Eles gostam, na verdade. O problema é mais técnico. Eles não conseguem tomar banho!




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