Os Indianos e o Luis
* Mendigos, de Ignácio Mora
Há quem diga que eu tenho fixação por mendigos. Pode ser verdade. Talvez eu tenha medo de me transformar num deles. Ou, talvez, não possa deixar de ler a mensagem implícita na imagem deles: algo está muito errado por aqui. Não só por aqui, diga-se de passagem. Como diz alguém que conheço:
Hoje cruzei novamente pelo mundo dos indigentes, o Centro. Aí reside uma grande diferença entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. Lá expulsam os indigentes para a periferia. Aqui, vivem no Centro. Ponto para os d’além mar, pois os turistas nada percebem.
Nas manhãs frias, como as deste outono, os habitantes desse mundo intangível, para nós que estamos do lado de cá da amurada social, tornam-se muito mais visíveis. Saúdam o nascer do sol como uma dádiva, enquanto discursam coisas sem sentido. Sem sentido para nós. Para eles, quem sabe? Comemoram o fim da longa noite. Vivos, ainda. Até a próxima noite. Uma mulher caminhava sem rumo, comentando que teria avisado alguém sobre a cortina, que não estaria bem alinhada. Insistia na tese de a ter avisado. Azar da outra, que não ouviu.
Ainda não entendo por que não exploramos economicamente o mundo deles, já que aparentam se transformar em maioria. Poderíamos criar slogans voltados àquela classe socioeconômica. “Hipovitaminose A? Tome Figadol, preparado com selecionados fígados de pombos de praça!”. Ou então, “Anemia, bócio? FerroIodil neles!”. Os ignoramos completamente porque não têm como nos pagar. Poderíamos aceitar lixo seco, por exemplo. Poderíamos trocar um frasco de Figadol por 147 latas de alumínio.
Há tentativas isoladas de comunicação intermundos. Percebi uma delas hoje de manhã, na praça. Um sujeito enrolado em um cobertor imundo gritava:
- Quando Nosso Senhor descer da cruz, os indianos reverenciarão o Luis Inácio Lula da Silva, nosso Presidente!
O que estarão gritando os miseráveis indianos?
E-mail: prheuser@gmail.com
Publicada na Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 16/06/2007:
Os Indianos e o Luis
Por Paulo Heuser
Há quem diga que eu tenho fixação por mendigos. Pode ser verdade. Talvez eu tenha medo de me transformar num deles. Ou, talvez, não possa deixar de ler a mensagem implícita na imagem deles: algo está muito errado por aqui. Não só por aqui, diga-se de passagem. Como diz alguém que conheço:
- Grandes cidades são todas iguais, têm teatros, têm praças, têm monumentos e têm mendigos.
Verdade. Nem os cartões postais do Primeiro Mundo, como Paris e Roma escapam da chaga social. Lá se vêem verdadeiras favelas, basta andar pelos arredores. Tudo bem escondido do turista convencional. Mas estão lá, para quem quiser ver.
Hoje cruzei novamente pelo mundo dos indigentes, o Centro. Aí reside uma grande diferença entre o Primeiro e o Terceiro Mundo. Lá expulsam os indigentes para a periferia. Aqui, vivem no Centro. Ponto para os d’além mar, pois os turistas nada percebem.
Nas manhãs frias, como as deste outono, os habitantes desse mundo intangível, para nós que estamos do lado de cá da amurada social, tornam-se muito mais visíveis. Saúdam o nascer do sol como uma dádiva, enquanto discursam coisas sem sentido. Sem sentido para nós. Para eles, quem sabe? Comemoram o fim da longa noite. Vivos, ainda. Até a próxima noite. Uma mulher caminhava sem rumo, comentando que teria avisado alguém sobre a cortina, que não estaria bem alinhada. Insistia na tese de a ter avisado. Azar da outra, que não ouviu.
Ainda não entendo por que não exploramos economicamente o mundo deles, já que aparentam se transformar em maioria. Poderíamos criar slogans voltados àquela classe socioeconômica. “Hipovitaminose A? Tome Figadol, preparado com selecionados fígados de pombos de praça!”. Ou então, “Anemia, bócio? FerroIodil neles!”. Os ignoramos completamente porque não têm como nos pagar. Poderíamos aceitar lixo seco, por exemplo. Poderíamos trocar um frasco de Figadol por 147 latas de alumínio.
Até a classe política os ignora. Não votam, e, definitivamente, não são formadores de opinião, pelo menos no nosso mundo. No deles, não sei. Apenas os cães parecem gostar deles. E os cães de mendigos parecem felizes. São os vira-latas simpáticos, de olhar bondoso, aqueles que nunca aparecerão nas manchetes por atacar alguém. Dividem passivamente a miséria com seus companheiros humanos.
Há tentativas isoladas de comunicação intermundos. Percebi uma delas hoje de manhã, na praça. Um sujeito enrolado em um cobertor imundo gritava:
- Quando Nosso Senhor descer da cruz, os indianos reverenciarão o Luis Inácio Lula da Silva, nosso Presidente!
O que estarão gritando os miseráveis indianos?
E-mail: prheuser@gmail.com
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