21.7.07

Com quantos estagiários se faz uma canoa


Com quantos estagiários se faz uma canoa?

Por Paulo Heuser


Na sexta-feira tomei um chope com o Raimundo. Vá lá, dois. Fizemos uma hora feliz. Em meio a tanta felicidade, surgiu o assunto dos estagiários. Raimundo comentava sobre as dificuldades de se montar bons estágios, que sejam bons para a empresa e para os estagiários. Muitas empresas empregam estagiários em substituição à mão de obra fixa, causando uma série de problemas.

Curioso foi o caso de uma empresa onde Raimundo foi contratado para prestar consultoria em motivação ocupacional. A direção chegara à conclusão de que aquela empresa deveria tornar-se socialmente útil. Abriram duas frentes de ataque à inutilidade social: estágios supervisionados para estudantes e voluntariado. Acolheriam estagiários para treiná-los nas funções, sem trata-los como mão-de-obra substituta. O voluntário passou a ser incentivado, inclusive com premiações aos que se destacassem nas atividades pós-expediente. Criaram também um programa de atividades voluntárias no horário de expediente da empresa. Poderiam ocupar um turno de trabalho por semana.

Após um mês de programa, nada de sucesso. Os únicos estagiários que não estavam matando moscas eram os da ginástica ocupacional, estudantes de Educação Física. Ficavam malhando sozinhos, sem adesões por parte dos funcionários, talvez porque o pessoal estava meio enferrujado. Próximo da aposentadoria, também. As geladeiras da cantina passaram a exibir diversos tubos de catchupe e maionese em sachê, mantidos pelos estagiários. Contrastavam com os tubos de sal de frutas e magnésia dos empregados.

Foi o Seu Nestor, diretor de RH, quem virou a mesa, figuradamente, é claro. Havia de escolher bem as palavras, frente aos estagiários, pois eles apresentavam uma curiosa tendência a levar tudo que era dito ao pé da letra. Virariam a mesa, portanto. Seu Nestor determinou que cada setor abraçasse, também figuradamente, um estagiário. Foi um resmungo geral, apenas menor do que aquele que surgiu quando a ginástica ocupacional se tornou obrigatória. O pessoal alegava não saber o que fazer com a rapaziada. O que causou um certo espanto foi o silêncio da Dona Norma. Não reclamou. Logo ela, que reclamava de tudo, da qualidade do papel higiênico, do cheiro do desinfetante da limpeza, do catchupe derramado nas mesas, da música do pessoal da malhação, etc. Agora, Dona Norma parecia até feliz. Havia algo de muito estranho acontecendo. Antes que começassem a pensar bobagens, Seu Nestor resolveu investigar o incomum comportamento da Dona Norma, especialmente após o pedido de mais 11 estagiários para o seu setor. Havia 12 funcionários, por que 12 estagiários? O que causara esse espantoso entusiasmo com o estágio?
O Alecxssandro foi o primeiro alvo da investigação, por ter sido o primeiro a trabalhar com a Dona Norma.

- Então, rapaz, como estão as coisas?

- Normal, tio.

- E o estágio, está gostando?

- Normal, tio.

- A Dona Norma está lhe dando as orientações, direitinho?

- Normal, tio.

Se ele ainda me chamasse de vovô, tudo bem. – pensou Seu Nestor.

- Bem, rapaz, o que você está fazendo no momento?

- Tô falando contigo, tio.

Seu Nestor começou a duvidar da utilidade do programa de estágios.

- Sim, sei. Mas, e com a Dona Norma?

- Nada, né. Eu tô aqui e ela ta lá...

Paciência, muita paciência.

- Certo, mas quando vocês dois, você e a Dona Norma, estão lá, o que ela lhe pede para fazer?

Seu Nestor chegou a temer a resposta, porém ficou imediatamente aliviado quando o rapaz lhe respondeu:

- Ah, tem a ginástica.

- Você é estagiário de Educação Física?

- Não, de Gestão de Passivos Circulantes.

- O que tem isso a ver com a ginástica?

- Sei lá, faço o que me pedem. Ela me pede para fazer a ginástica no lugar dela, pois tem bico-de-papagaio.

Seu Nestor ficou pensando que o rapaz tinha razão, só que tiraria os hífens. Ela parecia ter um bico de papagaio, literalmente. Ele percebeu também que a Dona Norma não se queixava mais da ginástica. O mistério estava resolvido. Dona Norma terceirizara a ginástica ocupacional. Porém, algo lhe dizia para ir adiante. Pensou nisso, enquanto espiava o saguão através da persiana. Pode ver um estagiário malhando alegremente frente a outros onze.

- O que mais você está fazendo?

- Tem o negócio de ler, tio.

- Que negócio?

- Qualquer um com letra pequena, tio. Ela disse que não enxerga as letras miúdas. Aí me manda ler.

Seu Nestor chegou a entendê-la, por um momento. Quem era o desgraçado que mandava coisas em Times New Roman 8? Somente um estagiário - pensou para si mesmo. Os funcionários antigos estavam utilizando os estagiários para suprir as deficiências trazidas pela idade. E a Dona Norma deveria ter espalhado a dica. Daí, o súbito pedido de novos estagiários.

- Bem, obrigado, rapaz! Foi muito útil.

- É tio, eu tenho que ir mesmo. Hoje é sexta-feira, e Dona Norma tem voluntariado de tarde.

- Você fica aqui, no lugar dela?

- Nada, tio. Ela vai para casa e me manda no lugar dela!
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