10.7.07

Teozinho e a formiga


Teozinho e a formiga

Por Paulo Heuser


Todos os que tiveram infância, e mesmo os que não tiveram, conhecem a parábola da Cigarra e da Formiga. É importante não confundi-la com a hipérbole da Cigarra e da Formiga, pois a primeira tem equação do tipo (x – h)**2 = 4p(y – k), enquanto a segunda segue conforme a equação Ax**2 + Bxy + Cy**2 + Dx + Ey + F = 0. Evidentemente, apresentam apenas a cigarra e a formiga em comum. Ambas as figuras cônicas nada têm a ver com o Teozinho, filho do Raimundo. Estabelecidos os parâmetros iniciais da parábola, seguimos o desenvolvimento da história.

Teozinho nunca quis estudar Administração de Empresas, com ênfase em Parques Temáticos, como desejava Raimundo. O rapaz preferiu estudar Agronomia. Raimundo concordou, sem outra opção, pois respeitava o desejo do filho. Que fosse agrônomo, se era o que desejava. Formado, Teozinho planejou seu futuro. Apesar da insistência de Raimundo, não queria participar da Cotra, para a qual fora convidado como sócio estagiário. Um contrato de experiência de três meses.

- Quero me fazer por mim mesmo! – seria descendente de italianos?

Raimundo respeitou o desejo do filho e deixou que ele fizesse o que planejara: um negócio relacionado aos produtos naturais. Fazia sentido, pois o rapaz estudara Agronomia. A única coisa que Teozinho pediu, foi o acesso à empresa de publicidade que mantinha a conta da Cotra. Raimundo ligou para Boston Olivério, o dono da BO/Bresil, e pediu-lhe que atendesse às necessidades do filho, no que precisasse. Não queria nem saber do que se tratava. Poderia descontar tudo da conta dele, já que não misturaria família e cooperativa.

Passaram-se 24 dias. Raimundo chegou em casa, chutou os sapatos para os lados, ligou a tv e pensou em assistir ao noticiário das 8h23. Uma fabulosa propaganda lhe chamou à atenção. Mostrava quatro crianças correndo pelo campo florido, uma eurasiana, uma africana, uma indiana e uma havaiana. Uma maravilhosa melodia auto-ajudante, recheada de violinos e kenigís, melava o quadro impressionista. Impossível ignorá-la. As quatro Anas corriam em direção aos quatro maravilhosos pais, todos sorridentes, que lhes alcançaram pacotes cúbicos embrulhados em papéis de temas florais com grandes fitas coloridas, em formas de topes. Quatro vistosas mães assistiam a tudo, andando em balanços dependurados numa majestosa figueira, aplaudindo e rindo, em vestidos florais esvoaçantes e amplos chapéus de festa no campo.

- Céus, o que estarão vendendo? – disse Raimundo, para si mesmo.

Como que em resposta, veio uma voz celestial saindo da tv:

- Seus filhos merecem nada menos do que a Alternativa Naturum, a opção de respeito à Natureza. Não lhes dê menos do que o futuro. – o final da frase ecoou.

Na manhã seguinte, enquanto tomava café, Raimundo assistiu novamente ao comercial. Estava estampado também no jornal, página inteira, bem como nos outdoors das ruas. Ele notou também a fila de quatro quarteirões que se espichava até uma loja Eight-eighteen do bairro. Seria uma liquidação de cerveja vencida? Ele não chegou a ver a placa que anunciava a Alternativa Naturum.

Quando chegou ao seu escritório na Cotra, Dona Carmem lhe avisou que o Doutor Theobaldo estava na linha três. Pudera, era a única.

- Sim? Raimundo falando...

- E aí, Pai?

- Teozinho, é você?

- Não, Pai, é o seu outro filho único!

- Que história de doutor é essa?

- É a secretária, Pai. Ela insiste em me chamar de doutor...

- A Dona Carmem?

- Não, Pai. É a minha secretária...

- Você tem secretária? Para quê?

- Para organizar minha vida. Desde que a Alternativa Naturum explodiu, ando sempre ocupado...

- Foi você que lançou aquele negócio?

- Na verdade, fui eu.

- O que é isso, afinal? Na propaganda não aparece!

- Bem, Pai. Resolvi seguir seu conselho e bolar um produto que fosse simples e ao mesmo tempo chamasse as pessoas para comprá-lo. Apelei para a volta à Natureza.

- Certo, meu filho. Mas o que afinal está naquela caixa?

- A Natureza. Tudo necessário para realizar um experimento natural de sobrevivência das espécies. Um sachê de capim, um sachê de formigas cortadeiras hibernando e um sachê de emergência.

- Como funciona?

- É bem simples, Pai. Você coloca o sachê de sementes de capim num vaso de terra, vendido opcionalmente, no Kit A-plus. Depois basta regar o capim, até que atinja 10 centímetros de altura. Tudo muito natural...

- E as formigas?

- Ora, Pai, quando o capim estiver do tamanho certo, basta colocar o sachê de formigas hibernando sobre ele. As formigas vão devorá-lo rapidamente. Tudo muito natural. A criança começa a estudar a cadeia alimentar.

- E o que acontece quando as formigas comerem todo o capim?

- É só comprar o Kit-B – refil de capim.

- Mas, não há perigo de as formigas se multiplicarem, exigindo cada vez mais capim?

- É claro, por isso vendemos embalagens do Kit-B por atacado, de 10 kg de capim!

- E se as formigas fugirem ao controle, atacando outras plantas da casa?

- Aí entra o sachê de emergência.

- O que ele contém?

- Veneno contra formigas cortadeiras, é claro!

- Aí termina o Kit?

- Ora, Pai, parece idiota! Aí você pode comprar outro sachê de formigas hibernando, o Kit-C.

Raimundo falou qualquer coisa e desligou. Virou a cadeira giratória, olhando para o rio, enquanto pensava:

- Criei um monstro!





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