3.7.07

Que nome dar a isso?

Publicada no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 09/07/2007:
http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=78355&intIdEdicao=1206


Que nome dar a isso?

Por Paulo Heuser


Soube de um fantástico escritor que nada publicou, simplesmente por não conseguir escolher títulos para os textos que escrevia. Escreveu peças brilhantes, verdadeiras obras primas, nunca lidas. Não lhes dava títulos, antes de escrevê-las. Depois, ficava indeciso, para sempre. Mantinha uma sala cheia de textos inéditos, só revelada após sua morte. Morreu olhando para o texto derradeiro, que falava sobre a indecisão. Seus escritos foram espalhados aos quatro ventos. Apócrifos, acabaram atribuídos a outros autores que souberam lhes dar títulos e créditos.

Redação sem título perde pontos - qualquer ginasiano sabe disso. Ou sabia, já que não existem mais ginasianos. Hoje são fundamentalistas? A grande barbada da redação é o título atribuído. O tema já vem pronto, de fábrica. “Minhas férias”, por exemplo. Quem não o viu? Basta escolher um título atribuído e mandar ver. Ou melhor, mandar ler, já que será escrito. Quem escreve crônicas, contos ou qualquer outra coisa, precisa escolher tema e título. Pára em frente à tela e começa a escrever. Texto ou título, quem vem primeiro? Depende de cada um. Por vezes, um bom título sai do meio do texto. Em outras, ele puxa o texto. Os trocadilhos tornam-se extremamente tentadores em algumas ocasiões. A experiência ensina a fugir dos óbvios, sob pena de cairmos no óbvio. Título óbvio cansa, vicia a leitura. É como carne de rodízio, tudo igual.

A primeira crônica que escrevi, em março de 2006, não tinha título. Foi o jornalista Paulo Sant’ana quem lhe deu um, ao publicá-la na sua coluna da Zero Hora. Ele escolheu um título digno de quem escolhe títulos há tantos anos: “De dar água na boca”. Depois, não houve jeito, tive de tomar jeito e escolher meus próprios títulos, uns melhores, uns piores, porém meus. Confesso que caí naquela do Freud (Nem Freud explica...), mas não entrei na da gravata do rabino. Aprendi algo, portanto. Após escrever um certo número de textos, torna-se difícil não repetir algum título. A memória trai.

Hoje, escrever sobre o tal Apagão Aéreo é algo difícil. Com um título já tão batido como jingle de candidato eleitoral, e um assunto que oscila entre o surreal e o ridículo, se cai no óbvio, com facilidade. Agravado pelos nevoeiros, comuns nesta época do ano. Tenho pena dos jornalistas que, além de escrever sobre o assunto, ainda voam nos aviões que não voam. O assunto fica ainda mais chato quando se anda em meio ao nevoeiro, pela manhã, ouvindo o noticiário no rádio do carro. Qualquer ginasiano sabia que não se voa pela manhã, no final do outono e no inverno, no sul do País. Hoje não sabem mais. Nem aqueles que planejam a malha de conexões contando com aviões que não decolarão nem pousarão em meio ao nevoeiro. Como esse assunto não se vai, nem voa, espero pelo Apagão Energético (esperem), o próximo, único capaz de ofuscá-lo.

Quem eu admiro mesmo, é o sujeito que dá nome às operações da Polícia Federal. Haja criatividade! É uma série aparentemente infinita de termos que convergem para o mesmo local: a impunidade abrigada pelo véu da legislatura. Que nome dar a isso?
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