2.7.07

Harold o Empreendedor


Harold o Empreendedor

Por Paulo Heuser



Sem dúvida nenhuma, o mundo é dos empreendedores. Eles movem a economia e fazem acontecer. Harold é um deles. O homem nasceu para tocar qualquer tipo de negócio. Pratica também uma espécie de cooperativismo, envolvendo amigos e parentes, em uma sólida cadeia de fornecedores de produtos e serviços.

A coisa toda começou quando a Tia Hitlertraudt resolveu comemorar seus 89 anos em grande estilo. Na verdade, nem era tia do Harold, era a tia do Humbert, colega da Confrade – Confraria Fraternal Despótica. Tia Hitlertraudt queria um chá para suas amigas e parentes, algo como 50 pessoas, quase todas senhoras da terceira idade. Humbert foi encarregado da organização da festa. Sem experiência alguma em eventos dessa natureza, pediu socorro aos pares, durante uma reunião da Confrade. Para extrema sorte de Humbert, Harold estava lá para auxiliá-lo. E Harold era um empreendedor, entendia de qualquer coisa que pudesse ser vendida ou comprada, inclusive chás dos 89 anos da tia dos outros.

Definida a necessidade, Harold foi a campo. Um campo fechado, por sinal, adstrito à Confrade. A escolha da data foi muito importante, pois dela dependia a escolha do local, ou vice-versa. Datas havia muitas, local apenas um. Apenas um dos confrades tinha um local para alugar. Um salão para mil pessoas. Como o que não tem solução, solucionado está, o problema do local estava resolvido. A data também, pois havia apenas um dia no qual o salão estaria disponível, uma segunda-feira à noite. O salão não era muito barato, em função da grande capacidade. Apesar do desconto para confrade, ainda estava excessivamente caro, para as disponibilidades da Tia Hitlertraudt. De volta à confraria, a solução caiu do céu. Alguém procurava um local para comemorar os 30 anos de Herbert, deputado confrade. Seria um jantar para arrecadar fundos, já pensando na reeleição. O cabo eleitoral do Herbert adorou a oportunidade de terceirizar a organização da festa.

Harold já havia resolvido data e local. Tia Hitlertraudt não gostou muito da idéia de um chá à noite, preferia o período da tarde, mas acabou aceitando. Herbert andava com problemas no fluxo de caixa, unidirecional. Escolheram o arroz com lingüiça como prato principal e único. Por questões de economia de escala e racionalização de custos, Harold decidiu modificar um pouco o chá da Tia Hitlertraudt, retirando tortas, docinhos e salgados, incluindo o arroz com lingüiça. Afinal, tortas e doces não fariam bem à saúde. Humbert concordou, preferindo apenas não avisar à tia imediatamente. Ela saberia no tempo certo.

Pensando bem, Harold concluiu que era relativamente fácil organizar festas, especialmente quando se conta com a confraria. Foi de lá que veio também a solução para a música. Tia Hitlertraudt havia pensado em algo parecido com uma orquestra de câmara. Peças suaves, para violino e piano. Harold encontrou outra oportunidade, entre os confrades. O filho de um deles, de nome artístico Ronco de Porco, era líder de uma banda nativista alternativa, os Bombachudos da Jamaica. Faria preço promocional, pois seria sua primeira apresentação em público.

Uma festa para mil pessoas implica a existência de uma boa estrutura de apoio. Foi aí que entrou na história o confrade representante da Reboque, grande marca de tênis chineses. Ele forneceria atendentes de portaria, orientadores (leões-de-chácara) e performers, seja lá o que fossem. Seria tudo de graça, em troca da publicidade, não fosse a comissão de Harold. Sim, Harold precisava viver de alguma coisa.

Comida também não seria problema. Harold encontrou um confrade que abrira uma fábrica de lingüiça calabresa de soja, ainda sem mercado. Com o retorno de um carregamento de soja refugado pela China, os preços caíram muito. Uma ótima oportunidade para investimento. O chá escolhido foi o de cevada, fornecido em barris de alumínio. A decoração foi fornecida pela funerária de um confrade, a preços promocionais.

Tia Hitlertraudt e suas amigas enfrentaram algumas dificuldades para entrar no salão do Bingo Palace à Go-Go. Haviam vendido dois mil convites e o pessoal estava se acotovelando na entrada. Aquelas mocinhas vestindo maiôs e tênis Reboque foram decisivas para o encaminhamento das convidadas às mesas reservadas. Aquela foi uma noite de surpresas, começando pela apresentação do Ronco de Porco, seguindo com a performance das meninas de maiô e os rapazes sarados de sunga. Ronco de Porco desafinou tanto que o pessoal começou a gritar por discurso, na tentativa de calá-lo. Quando Herbert se levantou, pronto para atender ao chamado, ouviu-se uma voz fina, mas firme, ecoando pelo salão, em substituição aos zurros do Ronco de Porco, sustentados pelos cacófonos reggaes dos Bombachudos da Jamaica. Era a voz da Tia Hitlertraudt. Do que tratou o discurso dela, nada sei, mas quase todos ali ganharam algo, naquela noite. Ronco de Porco e os seus Bombachudos Jamaicanos ganharam o primeiro nome no seu portfólio de clientes. Saíram do amadorismo. Diversos confrades se livraram, ou melhor, venderam seus produtos e serviços. Harold tornou-se um dos publicitários mais requisitados pelos políticos, lembrado por nove entre 10 CPIs. Somente Herbert perdeu. Perdeu a eleição, diga-se de passagem. Não foi páreo para o discurso da Tia Hitlertraudt, esta sim, eleita deputada.
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