8.7.07

Sorria, você está na tv


Sorria, você está na tv


Por Paulo Heuser



O principado de Mônaco tem a maior densidade populacional do mundo. Há mais de 16 mil habitantes por km2. As pessoas se amontoam em camadas, naquele pequeno paraíso de menos de 2 km2 de área. É o segundo menor país do mundo, perde apenas para o Vaticano, com seus 0,44 km2 de área. O resultado dessa concentração humana é uma arquitetura estilo panacéia em camadas, lasanha de diversos recheios. Prédios amontoam-se sobre outros. Prensado entre a França e o mar, ao lado de Nice, nos Alpes Marítimos da Costa Azul, Mônaco lembra aqueles clubes sociais localizados nas áreas centrais das grandes cidades. Como não há mais espaço lateral, crescem para cima. Neles o sujeito sai da piscina térmica, cruza pela sala do jogo de xadrez, pelo salão das veteranas do chá, pela chapelaria, pega o corredor ao lado da cozinha do salão menor, atravessa a sala dos escoteiros e, finalmente, chega ao vestiário, cinco andares acima. Seco, pelo menos. A água evaporou-se pelo caminho. Pois Mônaco é mais ou menos assim. O fato de situar-se entre dois contrafortes de dimensões respeitáveis, ajuda a aumentar a impressão de estarmos sempre à beira do precipício, mesmo quando se está no banheiro. Há até praia em Mônaco. Para usá-la, basta solicitar uma senha, com a devida antecedência. Estão liberando vagas para janeiro de 2018.

O que impressiona em Mônaco é sensação de nunca estarmos sozinhos. Em cada canto, em cada curva, em cada penhasco, há alguém. À população fixa somam-se os turistas, milhares de turistas querendo aproveitar cada metro quadrado do principado. Justiça seja feita, o lugar é muito bonito, limpo, organizado e caro. Abriga também a maior densidade de automóveis Rolls-Royce do mundo. Mônaco atrai os endinheirados, por ser paraíso fiscal.

A menor criminalidade do mundo contribui para a tranqüilidade que reina em conjunto com o príncipe. Fica todo mundo sorrindo, com um ar de paz. Talvez por isso, Jürgen chamava tanto à atenção na mesa do pequeno restaurante na Rue Emile de Loth, em Mônaco-Ville. Ele não tocou na comida. Estava sozinho e parecia à beira de um ataque de nervos. Aliás, sempre fico imaginando como seria um ataque de nervos. Milhares de coisas tubulares esbranquiçadas marchando como minhocas? Minhocas à parte, Jürgen enrolava uma mão na outra, nervosamente. Estava muito pálido também, coisa inimaginável para um europeu do norte, naqueles dias ensolarados de primavera. Ele deveria estar vermelho como camarão. Personificava o retrato da dor, emoldurado pelo paraíso. Certamente o homem estava em sérios apuros. Depois, descobri que ele estava naquele estado exatamente por não estar mais em apuros. Estivera, antes, mas não estava mais. Parece confuso, mas havia uma explicação. Comiserado, fiz aquilo que provavelmente não faria em outro lugar. Perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele estremeceu, enquanto respondia à pergunta:

- Sou alemão, de Lübeck, em Schleswig-Holstein, e fiz algo muito errado.

Sim, deveria ter feito mesmo, pois se encolheu quase em posição fetal. O que poderia ele ter feito de tão horrível? Contorcendo-se, em agonia, continuou:

- Me esqueci do mapa da cidade, no hotel.

E daí, pensei eu, como alguém pode se perder em um lugar pequeno e cheio de sinalização como aquele? Ele pareceu adivinhar meus pensamentos e seguiu narrando a sua desgraça:

- Eu fiquei com vontade de urinar, e não sabia onde.

- Por que não foi a um restaurante? – perguntei o óbvio.

- Não havia nenhum aberto, naquele horário. Procurei por todo lugar, até em uma igreja. Não havia toalete. Pensei que encontrara um, mas me disseram que era o confessionário. Não sou católico, pensei que era um banheiro químico de madeira.

- Você urinou lá dentro? – perguntei-lhe, visivelmente espantado.

- Nein, nunca! Não faria isso. Respeito a casa de Deus, mesmo que seja a dos outros! – ele parecia bastante ofendido.

- Certo, mas como resolveu seu problema?

- Sei que é muito errado urinar fora do toalete, mas eu não agüentava mais, quando entrei naquela galeria comercial com todas as lojas fechadas, por ser muito cedo.

- E você urinou na galeria? Onde?

- Eu sei que foi muito errado, mas urinei na parede, em um canto. Não havia ninguém lá. Fui educado para nunca, mas nunca mesmo, fazer algo assim!

Foi então que entendi o drama do homem. Ele quebrara uma regra fundamental, internalizada nos mais profundos porões do castelo da sua ética: nunca mijar na parede de uma galeria deserta em Mônaco.

- Ainda bem que ninguém viu! – Disse ele.

Eu não quis aumentar a desgraça do coitado, mas tive de lhe dizer algo que muitos desconhecem:

- Jürgen, tenho que lhe dar uma péssima notícia: em Mônaco nunca se está sozinho, mesmo em uma galeria aparentemente deserta.

- Mas, não havia ninguém lá!

- Jürgen, em Mônaco há câmeras de vídeo em todos os locais públicos, inclusive no interior das galerias, garagens, corredores de prédios e igrejas...







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