10.7.07

Travessia pelas trevas


Travessia pelas trevas

Por Paulo Heuser


O guia de turismo Lonely Planet, sobre a Itália, diz textualmente que somente um louco destemido deve se aventurar a dirigir em Roma. Esse guia, e outras fontes semelhantes, dão suas razões:

Os romanos convergem sem ligar as setas de direção;

Não respeitam a distância mínima do veículo que vai à frente;

Não respeitam faixas para pedestres;

Nem sempre respeitam as vias preferenciais;

Fecham os veículos que ultrapassam;

Buzinam e xingam Deus e a mãe;

Andam em ziguezague;

Excedem a velocidade permitida;

Não respeitam a sinalização de tráfego;

Estacionam onde não é permitido;

O autêntico motorista romano desconhece os espelhos retrovisores.

Ou seja, lá nos sentimos em casa! Voltamos ao aconchego do nosso trânsito. Os romanos também devem sentir-se em casa, quando dirigem por aqui - Sto a casa!. Estranharão os xingamentos, com certeza. Aqui são menos religiosos. Estranharão outro aspecto onde nossos esquemas de trânsito diferem.

O mesmo guia Lonely Planet dá dicas aos loucos que, mesmo avisados, insistem em dirigir na Cidade Eterna, com seus eternos congestionamentos. O guia estabelece uma regra básica para sair vivo de Roma: estabelecer contato visual com o motorista ou com o pedestre. Como princípio, não param nas faixas de pedestre, principalmente para pessoas idosas, inválidos, crianças ou mulheres grávidas. Na França se vê mulheres com carrinhos de bebê atravessando na faixa de pedestres sem olhar para os lados, em sinal de profunda crença nas instituições.
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Voltando à Itália, há uma espécie de código paralelo de trânsito, que estabelece a preferência mediante troca de olhares. O pedestre pode aventurar-se na faixa desde que consiga olhar diretamente para os olhos do motorista, olho no olho. Por incrível que pareça, funciona. Eles param, quando encarados. Funciona também entre veículos, nos cruzamentos. Quem olhar primeiro, tem a preferência, por uma minúscula fração de tempo. Por isso, nunca tente olhar ao mesmo tempo, dá colisão. Como acontece com todas as regras tácitas, não se deve acreditar piamente nelas. Porém, nunca tente atravessar a rua em Roma sem olhar diretamente para os motoristas. Eles não perdoam tal falta de conhecimento das regras de etiqueta viária. Por via das dúvidas, atravesse quando não vier veículo algum e prefira andar de metro ou o trem, nos quais não é necessário encarar o condutor.

Um romano não atravessaria ruas movimentadas por aqui. Ficaria horas tentando encarar os motoristas escondidos por detrás dos vidros escuros.
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