17.7.07

Terraplenada

Publicada no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 26/07/07:
http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdEdicao=1221&intIdConteudo=79380
Terraplenada

Por Paulo Heuser


O recente terremoto ocorrido no Japão trouxe imagens impressionantes de devastação da infra-estrutura das cidades atingidas. Fica-se a imaginar por que as pessoas voltam para suas casas completamente destruídas. Sofrerão novamente, com novos abalos, nos próximos anos? Não têm medo? Trata-se de caso diferente daquele observado nas devastações provocadas pelas guerras, civis ou forâneas. As guerras geralmente apresentam um fim, comemorado com o povo nas ruas. Algumas não terminam, caso dos conflitos étnicos ou de interesse alienígena, como os do Oriente Médio. No geral, após as guerras a população reconstrói suas casas, na esperança de que novo conflito não virá. Terremotos se repetem, inesperadamente. Cataclismos provocados pela natureza e as guerras são eventos distintos, tanto pela sua previsibilidade como pela sua repetição.

Às vezes o raio cai duas vezes no mesmo lugar. Tome-se o exemplo da linda cidade de Reims, na região de Champagne, França. Reims foi palco de terríveis combates nas duas guerras mundiais. Quem hoje anda pelas suas belas ruas arborizadas, nada percebe, senão as marcas deixadas nos monumentos, como na fantástica catedral de Notre Dame. Reconstruíram a cidade, duas vezes.

O que dizer do povo de Nagasaki e Hiroshima, no Japão, e Dresden, no vale do Elba, Alemanha? Viram o fogo consumir suas cidades e seus habitantes. As duas primeiras foram o teste de campo das primeiras bombas atômicas, matando 170 mil pessoas. A terceira, alvo de duas mil toneladas de bombas, muitas incendiárias, matando cerca de 200 mil pessoas, pelas estimativas pós-guerra. Nos três casos, como sempre acontece nas guerras, quem sofreu foi a população civil. Mesmo nos modernos bombardeios cirúrgicos quem sofre é a população civil, pois destruído o poder controlador, assume a barbárie do terror dos grupos que tentam assumir o controle. Talvez por isso, as alterações mais recentes da Convenção de Genebra se focaram nos direitos humanos da população civil.

Uma breve leitura das manchetes nos permite observar que nossas instituições foram terraplenadas, em decorrência de uma guerra civil não declarada, apenas lutada. Somos uma nova Dresden, com as construções em pé, apesar de pichadas, e as instituições arrasadas pelo constante e ininterrupto bombardeio com artefatos de efeito moral. Não aquelas bombas de efeito moral utilizadas no controle dos distúrbios. No nosso caso, são bombas que eliminam a ética, queimando as instituições e a norma. Nagasaki, Hiroshima e Dresden foram arrasadas em apenas um dia de trabalho das forças aéreas aliadas. Nós somos bombardeados faz muito tempo, silenciosamente, lentamente. Contudo, o estrago já se faz ver, em todas as instituições que compõem o País. As cidades japonesas foram bombardeadas pelos norte-americanos. Dresden, pelos ingleses e pelos norte-americanos, a pedido da Rússia. E nós, somos bombardeados a mando de quem?

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