18.7.07

Impacto profundo

Impacto profundo

Por Paulo Heuser


Cada vez que noticiam uma dessas desgraças aéreas, procuro me lembrar de algo pitoresco da minha curta carreira de piloto privado, como contraponto. Foi fácil lembrar as inesquecíveis – será um pleonasmo vicioso? – festas de banho de óleo do Aeroclube Santa Cruz, na cidade de mesmo nome. Após o primeiro vôo solo, o manicaca (aprendiz de piloto) tomava um banho de óleo de motor usado, guardado especialmente para esse fim. Com certeza, ninguém se esquece do primeiro banho de óleo de motor. À noite, o recém-lubrificado devia pagar um churrasco para todo o pessoal do aeroclube.


O churrasco era assado pelo Seu Geib, misto de zelador, ecônomo, assador e controlador de vôo. Pois o Seu Geib dominava uma técnica interessante para reduzir as despesas com a festa. Consistia em servir apenas pão, durante uma hora. A seguir, uma hora servindo salada de batatas. Finalmente, quando a revolução se avizinhava, vinha a carne. Assisti a uma cena impressionante, quando o Hildo Ney foi garfado na mão, ao tentar conquistar seu quinhão. Alguém não pode esperar sua vez.


Não sei se foi proposital, mas agendaram meu banho de óleo para o dia do baile de debutantes do Clube União, evento imperdível para quem estava rondando os 18. Baile de gala, por sinal. Apesar de todos os esforços para remover o óleo do corpo, através de estopa embebida em sei lá o quê, ducha com sabão mecânico, banheira com Rinso e, finalmente, um banho convencional, algo sobrou. Descobri que algo sobrara, durante o baile, quando o colarinho e os punhos da camisa branca tornaram-se pretos como a borboleta. O cheiro de oficina mecânica também chamava à atenção. Fui atração no baile, porém não fiz muito sucesso com as meninas.


O impacto profundo ocorreu em outra festa de banho de óleo, quando eu já havia completado o curso. Como de hábito, o chope corria solto. E na cabana do aeroclube não havia toaletes. Os mais próximos ficavam no hangar, do outro lado do pátio de estacionamento das aeronaves. Certo, dos teco-tecos. Lá pelas tantas, bateu a preguiça de caminhar até o hangar. Fiz o que o pessoal costumava fazer, saí pela porta dos fundos da cabana e me dirigi ao mato de eucaliptos. Reinava um breu completo. Não havia luz do lado de fora e deveria ser época de Lua Nova. Dei mais alguns passos, em meio à escuridão, pois sabia que não havia árvores nos próximos metros. Realmente, não havia árvores. Porém, alguém cavara o buraco. Um profundo buraco, que fez o chão sumir debaixo dos meus pés. Desorientado, tateando em meio ao barro, concluí que não era apenas um buraco, era uma imensa vala, que ia da casa de combustível até algum local próximo do hangar. Tive de percorrê-la, para sair lá de dentro, tendo apenas as estrelas por companheiras. Acabei indo ao hangar, para retirar um pouco do barro.


Quando voltei à cabana, com parte das roupas molhadas, reparei que eu não havia sido o primeiro, nem seria o último a cair naquela vala. Havia mais gente com roupas molhadas e sapatos embarrados. E o sorriso maroto do Seu Geib dizia tudo.



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