1.9.08

453 - e-verão


Foto: Cristina Heuser
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e-verão

Por Paulo Heuser


Ingrid está deitada ao sol, no balneário italiano de Rimini, na costa adriática da Itália. Sua pele alvíssima contrasta com a areia escura. Deitada de bruços, sem a parte superior do biquíni, sobre uma enorme toalha de praia, ela está concentradíssima na tela do laptop. São suas primeiras férias, em cinco anos. Portanto, não pode desperdiçar nenhum minuto da semana que o patrão lhe concedeu. Fechando um pedido de estrôncio, ela está completamente alheia ao que ocorre ao seu redor. Graças às novas tecnologias de acesso a Internet, ela está conectada ao servidor do escritório. Em outra janela, procura no e-bay – sitio de venda de produtos - um protetor de sombra para tela de laptop na praia. É duro enxergar algo na tela de LCD ao sol.

Como todo mundo sabe, o estrôncio é um metal, vizinho do rubídio e do ítrio, na tabela periódica dos elementos. O patrão da Ingrid vendia estrôncio para as fábricas de cinescópios, cuja venda está em acelerada queda. Ingrid foi contratada na hora, pelo patrão Gustav, ao propor a ampliação do uso de cloreto de estrôncio na fabricação de cremes dentais. A novidade é a adição de pequenas quantidades de estrôncio 90 – isótopo radiativo -, para venda dos cremes aos países submergentes do Terceiro Mundo. Assim alguns países se livram do lixo atômico, enquanto os jovens dos submergentes se divertem, com sorriso azul luminescente, nas festas extasiantes de música eletrônica. O estrôncio 90 é resíduo da fissão nuclear das usinas atômicas. Agora Ingrid pesquisa a adição de nitrato de estrôncio aos cremes dentais, que produzirão faíscas vermelhas, como aquelas dos fogos de artifício, quando os usuários estalarem os dentes.

Ingrid se distrai, momentaneamente, porque uma criança passa berrando, após perder seu game no mar. Ingrid considera aquela praia quase perfeita. Há cabines para troca de roupa, bar, restaurante, wi-fi e 3G – banda larga sem fio - e caminho pavimentado até o mar. Tudo isto por apenas 15 Euros por dia! Sem falar dos serviços opcionais, como banheiro químico privativo on demand, ventilador, minibar, TV, monitor de 42’’ para laptop, e todas aquelas outras comodidades que fazem o verão na beira da praia.

A paquera também corre solta. Ingrid faz uma pausa no trabalho para conferir seu sítio de relacionamento. Está pintando um clima virtual com um italiano. Paquera virtual é outra coisa. A avó da Ingrid lhe contou sobre as paqueras na praia de ontem. Areia, odores, contato físico, fluidos, rolava tanta coisa bizarra. Coisa mais nojenta!

Só resta um problema, nesta praia. Há crianças, muitas crianças. Deveriam proibi-las de freqüentar a praia. Afinal para que servem as piscinas dos hotéis? Crianças atrapalham o trabalho nas férias. Ficam correndo, gritando, e tropeçando em tudo, enquanto os veranistas querem trabalhar em paz, através dos seus laptops e PDAs.

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1 Comments:

At terça-feira, 02 setembro, 2008, Blogger José Elesbán said...

Tirem as crianças da praia!

 

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