31.8.08

452 - A festa da Flor

Les Deux Carrosses de Claude Gillot, 1707
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A festa da Flor

Por Paulo Heuser


Ontem foi a festa de 50 anos da Flor. Até aí, nada de mais. A maioria das pessoas completa 50 anos. Contudo, as festas de aniversário da Flor são diferentes quando ela completa idade que perfaz múltiplos de dez. Foi assim nos 30, nos 40, e agora, nos 50. Temos de esperar dez anos pela próxima. Alguns esperam, mas não conseguem chegar lá. O destino interrompe sua espera. Eu sou daqueles que conseguiram chegar lá. Portanto, festa, grande festa!

Já tentamos convencer a Flor a fazer festas qüinqüenais, trienais, bienais, sem sucesso. Temos de esperar dez anos pela próxima. É claro que ela festeja seu aniversário anualmente. Coisa de família, e um ou outro. Porém, decorrida outra década, ela convida as mesmas pessoas que estiveram na década anterior, e faz as grandes festas. Fazem-se amizades de década nas festas da Flor. São amigos que vemos apenas a cada dez anos, mas, enfim, são amigos das festas da Flor, o que os torna outro tipo de amigos. Por alguma razão desconhecida, o tempo não parece ter passado, nas festas da Flor, apesar das mais ou menos evidentes modificações físicas. Mesmo que o tempo aparente passar de forma diferente, nas festas da Flor, ele passa de outra forma do lado de fora. Fulano chega com outra mulher, e Sicrana chega com outro marido. Na próxima, poderão estar novamente juntos.

A festa da Flor teve sessão de fotos antigas, que invariavelmente geram comentários sobre a aparência de um ou outra. Nossa, ele tinha cabelos! Essas festas de década permitem papos igualmente de décadas. O Fulano falava de prensarem um disco da banda, na dos 20, gravarem um cassete, na dos 30, queimarem um CD, na dos 40. E agora? Bem, agora a coisa complicou. Sicrana sonhava com um serviço de festas que servisse strogonoff, na dos 20; um xis-strogonoff, na dos 30; uma tele-entrega de strogonoff, na dos 40, e um rodízio de pizza de strogonoff, na dos 50. Coisas do tempo.

Alguns convivas mantêm a mesma conversa, desde 1978. O truque para que a conversa não decaia é arrumar um assunto atemporal, como a beleza das equações do calor e da onda. Outro é xingar o governo, pois não há governo que não mereça ser xingado. Na festa dos 20 xingavam o governo do Geisel – em silêncio; na dos 30, o do Sarney; na dos 40, o do FHC; na dos 50, o do Lula. É só xingar o governo. Qual, não interessa muito. Sempre é um assunto atual. O Collor foi mais esperto, pois evitou os aniversários de década da Flor. FHC e Lula não foram tão espertos. Com dois governos, dificilmente escapam.

A Lei Seca não é novidade, para os convivas das festas da Flor. Nos outros aniversários dela o pessoal já ia de taxi. É que as festas da Flor são feeeestas. Portanto, todo cuidado é pouco. Desta vez, fiz como das outras, tomei um taxi. Para voltar, na madrugada, tomei outro. Taxi, bem entendido. Então comecei a temer pela minha vida. Meu taxi era dirigido pelo motorista, e guiado pelo demônio. Lá pelas tantas, ele comentou que a minha rua era aquela contramão. Respondi-lhe que, olhando pelo lado certo, não era. Após algumas roletas-russas, ele chegou ao mais alto píncaro da audácia volante, ao efetuar uma conversão à esquerda, em plena perimetral. Por isso, não me admirei nem um pouco quando ele entrou na minha rua pela contramão. Temi não chegar à festa dos 60 da Flor.

Aquele motorista está cumprindo pena no semi-aberto. Durante o dia, dorme no xilindró, durante a noite, dirige um taxi.

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