28.8.08

451 - O voto na praça


Foto: Paulo Heuser
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O voto na praça

Por Paulo Heuser

Corre por aí, à boca pequena, que isto ocorreu no início de agosto. Na reunião do conselho do Partido, já tarde na noite, o pessoal que trabalhava na campanha dos candidatos a vereadores queixava-se da dificuldade em se fazer campanha, frente à escassez geral de dinheiro, tempo na TV, espaço físico para afixar propaganda, além dos candidatos sem apelo algum. O corpo a corpo estava difícil. A maioria nem olhava para os candidatos, e os que aceitavam santinhos jogavam-nos fora logo a seguir, sem ao menos lê-los.

Todos olhavam para o Bocão da Urna, maior especialista do Partido, quando se trata de convencimento de eleitores sem candidato. Ele falava da necessidade de arregimentarem mais candidatos que chamassem a atenção do eleitorado. O prazo legal para a inscrição estava se esgotando. Bocão mostrou alguns vídeos do horário político da eleição anterior. Com aquela fração de minuto, disponível para cada candidato, o que se via e ouvia era algo como:

- MeunomeéCandidoAtoevouresolverasegurançaasaúdeea
educaçãovote99999!

Os candidatos também não ajudavam muito no aspecto físico. Todos eram comuns demais, como se fizessem parte do povo. Poderiam passar por vizinhos dos eleitores. O pessoal gosta de votar nos candidatos que se sobressaem, de alguma forma. Em outros tempos, quando havia fartura, era mais fácil fixar a imagem de alguém na cabeça do eleitor. Do jeito que ficou, terão de disputar os eleitores a tapa, na boca da urna. Em algumas seções haverá mais “orientadores” do que eleitores.

Bocão deixou a sede, a pé, e aventurou-se a caminhar pelo Centro, na companhia da Eufrázia, secretária do Partido. Talvez esta fosse a razão da aparente imunidade aos assaltos que experimentaram. Para quem não estava habituado, Eufrázia aparentava ter fugido da tela do King Kong. Ela se parecia com a irmã gêmea dele. Quando cruzavam corajosamente a Praça da Alfândega, Eufrázia soltou um grito pavoroso, enquanto saltava dois metros para trás. Bocão foi além, pulando sobre os ombros da Eufrázia. A razão do susto não era um assaltante, como seria de se esperar. Era o Nestor, expoente máximo da mendicância alfandegária. Eles se depararam com aquela figura estranha, balbuciando o tradicional me-dá-me-dá. Ao lado dele descansava a mulher número 2. O Nestor realmente estava feio. Talvez não fosse feio, enquanto abonado, mas ficou. Os anos de praça deixaram sua marca. O que assustava mesmo eram os olhos esbugalhados, destacados pela fuligem que tomava conta do seu rosto. Ele tinha algo de felino, pois fugia d’água como tal. Algo refeitos do susto, Bocão e Eufrázia seguiram na direção da Rua da Praia, supostamente mais segura.

Subitamente, Bocão vislumbrou a oportunidade que deixavam para trás.

- É ele, Eufrázia!

- Ele... quem? – disse Eufrázia, enquanto arredava os pêlos da testa.

- É ele, o Candidato! Aquele sujeito não passa despercebido nem no manicômio forense.

Na manhã seguinte, Eufrázia trouxe o pessoal do Partido à praça, à procura do Nestor. Encontraram-no atrás da escultura Teorema, de Bruno Giorgi, sua residência diurna. Ele descansava da labuta noturna. Estariam diante do mais novo candidato a vereador. Bocão já havia planejado tudo. Nestor apareceria, durante os sete segundos - espaço reservado para cada candidato -, e pediria o voto:

- Ãh, me-dá-me-dá-me-dá-...-me-dá!

Para não perderem nenhum me-dá, Nestor seguraria uma placa com seu número e a sigla do Partido. Que impacto causaria tal aparição! Ele atrairia todos os votos de protesto, de solidariedade, de antipatia e de qualquer outro sentimento não retratado na mesmice dos demais candidatos. Ao candidato a prefeito, bastaria aparecer ao lado do Nestor nos palanques. Estaria fatalmente eleito.

Não deu, desta vez. Nestor teria de reaprender a ler, tarefa para longo prazo. Mas, para 2012, quem sabe? Já há gente pisoteando os canteiros que rodeiam o Teorema. Alguns pensam em 2010, pois talvez ele não chegue vivo a 2012.

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