28.9.08

469 - O fim do cientista louco

Foto: Wikipedia
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O fim do cientista louco

Por Paulo Heuser


Toda escola que se prezava tinha pelo menos um cientista louco. Toda escola onde havia laboratório, bem entendido. Os cientistas loucos não eram propriamente cientistas, eram protótipos excêntricos deles. Por que os chamavam de loucos? Porque faziam coisas que fugiam à compreensão dos não-cientistas loucos, ou seja, era loucos mesmo. Não que exercessem necessariamente a sua loucura nos laboratórios dos colégios, mas era lá que a sua loucura despertava. Os cheiros das substâncias químicas – fedores para os demais -, as caixas dotadas de lâmpadas, fios, medidores e chaves atraíam os cientistas loucos como um aifone atrai um geek – maníaco por tecnologia - atual. Um cientista louco se diferenciava de um geek pela paixão, um por ciência, outro pela tecnologia. O cientista louco precisava saber como as coisas funcionavam, razão pela qual desmontavam tudo que havia em casa, e também fora dela. Os geeks não desmontam coisas, eles exercitam o uso das coisas acabadas, e recebem manuais de instruções.

O geek mais famoso é Bill Gates, sem dúvida. O título de cientista louco mais importante talvez deva ser dado a Michael Faraday (1791-1867), considerado o maior físico e químico experimental de todos os tempos. De origem humilde e autodidata, Faraday apaixonou-se pela ciência ao trabalhar numa livraria, aos 13 anos de idade. Ele destacou-se sobremaneira no Eletromagnetismo e na Eletroquímica. Seus trabalhos deram suporte aos de Edison, Siemens, Testa e Westinghouse, entre outros. Outro cientista louco de renome foi Wernher Von Braun, o grande fogueteiro alemão, responsável pela criação das bombas voadoras V2 e por boa parte do programa espacial norte-americano.

Convivi com alguns cientistas loucos, como o Bruno, que explodiu o porão da loja de conserto de geladeiras do pai; o Doca, que transformou a sala de estar do vizinho - Seu Lux - em uma espécie de campo de pouso de naves espaciais feitas com canos galvanizados cheios de pólvora; o Kuno, perito em ondas de rádio e o Felipe, fogueteiro por excelência.

Talvez aí resida a profunda diferença entre os cientistas loucos e os atuais geeks. Os primeiros exultavam ao lançar coisas aos céus, da forma mais ruidosa possível. Coisas que, infelizmente, voltavam a Terra. Coisas de balística. Sabe como é, coisas que sobem enquanto perdem a energia cinética e ganham a potencial, enquanto as coisas que descem ganham energia cinética e perdem a energia potencial. Os geeks exultam ao transformar um bit de pé em bit deitado. Correm pela rua, gritando em silêncio, que têm o poder de deitar um bit. Tudo no mais absoluto silêncio.

O Seu Lux pode não ter saudades deles, mas os cientistas loucos fazem falta. Hoje somente o granizo fura telhados.

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