2.10.08

472 - Parada de ônibus


Foto: Wikipedia
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Parada de ônibus

Por Paulo Heuser


Tento definir uma parada de ônibus e não consigo. O mais próximo que eu consegui chegar de uma definição foi a de escaninho de entrada e saída. As pessoas param na parada de ônibus porque desejam embarcar no dito cujo. Os que desembarcaram nem param, ou melhor, só param quando chove. Então a parada de ônibus vira lugar. De outro modo ela é apenas ponto de passagem, pois ninguém vai à parada de ônibus, vai através dela. Ela é o elevador sem paredes nem botões. Na parada ao menos não há o constrangimento causado pela clausura do elevador. A parada também é arejada, ao contrário daquele.

Se no elevador todo mundo observa quem entra e quem sai, na parada há uma impessoalidade quebrada apenas pela presença de mendigos, vendedores ambulantes e bandidos. Ou seja, sempre. O achaque funciona na parada porque os passantes não têm opção: ou agüentam, ou vão a pé. Quanto mais pestilento for o achacador, melhor funciona. Todos querem se livrar logo dele. É também na parada que os fumantes se arrependem do vício. Se não lhes pedirem cigarros, lhes pedirão fogo. Aquele pode também ser um local um tanto perigoso. É nas paradas de ônibus que muitos assaltantes procuram suas vítimas. É lá que o trabalhador perde marmita e dentadura. Noutro dia ouvi da ascensorista do elevador que ela fica em casa, às seis horas, com o ouvido colado na janela. Quando ouve o barulho do ônibus sai em disparada, para chegar à parada no mesmo instante que ele chega. Assim ela dribla o exército de assaltantes, correndo agarrada à bolsa, feito atacante de futebol americano. Quando ela volta, faz o caminho contrário, na mesma louca disparada.

Na Cidade Baixa há um mendigo que manteve seu status de sem-teto mesmo morando na parada de ônibus com teto. Ocorre que o sem-teto fez do teto o seu chão e se tornou um com-chão sem-teto. Explico: ele mora sobre o teto da parada de ônibus, alcançando-o através dos galhos da árvore vizinha que também faz as vezes de cabide e armário. Do que ocorre sob seu chão ele nada quer saber. Ele é o único que chega a algum lugar ao chegar à parada. E tem transporte na porta, coisa muito valorizada hoje em dia. Quanta correria a ascensorista evitaria se tivesse transporte na porta. A vantagem de correr atrás do ônibus é o condicionamento físico resultante disso. A mulher já mete medo na atleta russa Yelena Isinbayeva, de tanto correr, e saltar sobre bêbados caídos e desviar de assaltantes. Aliás, as duas têm aqueles enormes olhos verdes. Ambas sobem, uma com a vara, outra com o elevador.

O pessoal fala muito. Comentam que a ascensorista será convidada para substituir o lesionado quarterback – atacante - Tom Brady do New England Patriots – time de futebol americano. A dor ensina a gemer, e o bandido ensina a correr.

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