542 - O sagu de Baco
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O sagu de Baco
Paulo Heuser
O Zé não perdia o Menu Confiança, do GNT. Ele imitava “a sotaque” do Claude Troisgros como ninguém. Depois da saída do Renato Machado, do programa, deixou de assisti-lo. Porém, Zé virou um entendido, no bom sentido, em vinhos. Ele domina todo aquele esquema de harmonização, retrogosto e vade retro. Conseguiria enganar até o Robert Parker, especialista da maior revista internacional sobre o assunto, a Wine Spectator.
Aconteceu num sábado. Zé preparava-se para instalar uma prateleira, em casa, quando recebeu o telefonema de um amigo que precisava comprar um vinho para presentear uma pessoa do mais fino bom gosto. Zé avisou-lhe que não sairia muito barato. Vinho desse tipo era caro. Tudo bem, disse o amigo, que tinha muita pressa. Fazer o que, o enólogo televisivo saiu de casa vestido como estava, tênis furado, meias sem elástico, bermuda encardida e camiseta furada no sovaco. Traje de instalador de “partilera de táuba”. Vinho desses se compra nas lojas especializadas, disso o Zé sabia. Lugar fino aquele. Havia até manobrista. No interior, madeiras nobres, por todos os lados. O lugar cheirava a carvalho. A recepção, na entrada da loja, não foi das melhores. Uma moça loira, vestindo um traje impecavelmente cortado, sobre altos escarpins, o olhou, de cima a baixo, e vice-versa, fazendo cara de nojo.
- Pois não? – cara de mais nojo.
- Eu, bem, gostaria de comprar um bom vinho para presentear um amigo de gosto exigente.
- O senhor teria algo em mente? – cara de extremo nojo, talvez porque o dedão do Zé insistia em se insinuar para fora do pé direito do tênis.
Algo explodiu dentro do Zé, além do tênis. Até aquele momento, ele sentiu-se humilhado. A partir de então, transformou-se num vingador dos instaladores de “partileras de táuba”. Fez cara de simplacheirão e mandou:
- Bem, meu amigo gosta muito de sagu, eu queria um bom vinho para fazer sagu.
A cara de nojo transformou-se em cara de espanto. A moça sobre os finos escarpins não acreditava no que estava ouvindo. Como explicar àquele pobre coitado que aquela loja vendia apenas vinhos finos? Tentou.
- Oh, lamento, mas estamos em falta desse tipo de vinho. Talvez o senhor seja melhor servido num supermercado...
- Já tentei – disse ele -, mas somente encontrei argentinos e chilenos, além de miseráveis franceses da Provença, Rhône e Languedoc-Roussillon. Além do que, eu gostaria de surpreendê-lo. Ele já enjoou do sagu de vinhos de Bordô e da Borgonha. Nada de piemontês, também. Pensei em um espanhol, algo de La Rioja, um tempranillo, quem sabe?
A hesitante vendedora o levou até uma prateleira feita em madeiras finas e mostrou-lhe uma garrafa de um Marques de Riscal Reserva, de 2004, de 115 reais. Ele olhou, com visível desdém, e disse:
- Moça, o sujeito é exigente, ele não come qualquer sagu. Não teria um Gran Reserva?
Aparentando não acreditar no que estava acontecendo, ela mostrou-lhe um Riscal Gran Reserva, de 2002, de 230 reais a garrafa. Ele balançou a cabeça, como que avaliando o rótulo, e disse à moça que aquele servia. Ela ainda ofereceu-lhe um Baron Del Chirel Reserva, de 2002, de 400 reais a garrafa. Então, Zé fingiu espanto.
- Olhe moça, aí também já é desperdício. Fazer sagu com um vinho de 400 contos é exagero. Se ainda fosse para um quentão...
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Marcadores: Baron Del Chirel, Bordô, Borgonha, Gran Reserva, La Rioja, Languedoc-Roissillon, Marques de Riscal, Provença, Provence, Rhône, Robert Parker, vinho, Wine Spectator
1 Comments:
Estas crônicas estão me fazendo me questionar o que há de ou se há verdade...
[]
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