8.5.06

A Difícil Arte de Caminhar (no Parcão)

A Difícil Arte de Caminhar (no Parcão)

Caminhar nos parques e clubes é meio monótono. Caminhando na rua dispenso o carro, saio, e volto, a pé. Após uns 25 minutos de caminhada alcanço o Parcão, onde dou duas voltas, no lado oposto ao herbário (o que, só você não sabia?). Duas voltas, não mais. Por quê? Bom, faz muito, observei um fenômeno estranho: os freqüentadores do parque andam, em círculos, sempre no sentido anti-horário. Já tentei descobrir, em vão, o porquê de andarem no sentido anti-horário. Talvez sejam movidos por um impulso vindo do inconsciente. Ou talvez seja uma forma subliminar de confrontar o relógio que os escraviza. Noutro dia, por pirraça mesmo, minhas filhas e eu resolvemos contrariar a norma internalizada e caminhar no sentido horário. A reação foi imediata e surpreendente. Arrancados momentaneamente do transe, na primeira volta, os normais nos encararam com um olhar de espanto, de quem pensa – como, é possível caminhar em outro sentido? Na segunda volta nos encararam com um olhar de censura. Na terceira, ouvimos, de uma jovem calçando tênis vermelhos de 36 molas, o comentário – só podem ter vindo da Redenção! Na quarta volta fomos expulsos do parque e orientados a procurar o Marinha, pois lá imperaria a desordem mesmo. A partir daí, cada vez que saímos para caminhar, continuamos a percorrer o Parcão, no sentido horário, apenas duas voltas, por precaução. No sábado passado, os atendentes de um nosocômio (que nojo de palavra) psiquiátrico, instigados pelos normais, tentaram nos convencer a sentar, a sombra de um gazebo, para uma avaliação gratuita. Conseguimos fugir para a rua, nosso refúgio. A propósito das molas, estas são um indicador socioeconômico (continua a gana de colocar um hífen aí no meio) importante no Parcão. Quanto mais molas no tênis, maior o status do indivíduo. Existe uma fórmula para cálculo do prestígio social, em função do número de molas do tênis: (Prestígio Social = 1/2 K * X2 ), onde K é o número de molas e X o número de voltas no parque, para exibir as molas. Um tal de Hook ficou famoso com isso. Já na rua, quanto mais molas há no tênis, mais visado é o indivíduo, pois a probabilidade de assalto cresce com o número delas. A fórmula anterior serve para calcular o índice de atratividade para ladrões, trocando o X pela distância percorrida. Já reparou que as seguradoras adicionaram um item nos formulários, para análise de risco, que pergunta se você anda com tênis de molas? Se praticar pára-quedismo, usando tênis com molas, esqueça o seguro. Calma, você que gosta de sair de casa caminhando, como eu, e acaba dando uma voltinha no Parcão, já conta com uma inovação tecnológica – tênis com sola destacável. Você sai de casa com um tênis chumbrega, levando a sola com molas disfarçada num porta-absorventes, bem discreto. Passa incólume pelos bandos de adoradores de molas e, ao chegar no parque, engata a sola com molas. Chazzzaaaannnn!!! Um mísero mortal se transforma num ícone social. Se for de carro, cuidado! Os flanelinhas mudam o tratamento, de Doutor para Divindade, e o preço, passam a cobrar o dobro. Aí vai uma dica para quem vai de carro e quer economizar na propina: faça como a Mulher Maravilha e entre numa moita para engatar a sola com molas. Evite cabines telefônicas, além de raras, são utilizadas para outros fins, por indivíduos fisiologicamente premidos. Quem prefere caminhar nas ruas enfrenta outro problema: é necessário atravessá-las. Motoboys (serão moto-contínuos?) acreditam piamente que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Reta que pode cortar ruas, calçadas, quintais, praças, prédios, você e até mesmo os ônibus, como tem sido comprovado em inúmeros acidentes. Ciclistas também representam ameaça, tanto nas calçadas como nos parques. Na Avenida Goethe uma ciclovia passa sobre a calçada. E, acredite se quiser, há um poste estaiado – com aqueles arames de sustentação - exatamente no meio da ciclovia. Diz-se que, do primeiro poste ninguém se esquece. Programa de domingo, para sádicos, é sentar a uma das mesinhas, dos bares que ali existem, e tomar um café, enquanto assiste ao confronto homem-poste. Verdadeira tragic happy hour – hora feliz trágica. Apesar da pressão social, continuamos caminhando no sentido horário. Duas voltas apenas. Afinal, sinistros são os outros!


Paulo Roberto Heuser

2 Comments:

At domingo, 28 maio, 2006, Anonymous Anônimo said...

Que lindo texto....que lindo espaço de leitura.
Mas é por isso mesmo....que prefiro o Parque Marinha...pois gosdto de andar em todas as direções e lá..isso é possivel.

Mas tenho uma certa paixão em andar nas ruas da cidade especialmente em domingos pela manhã....quando cedinho é ´possivel até mesmo atravesar ruas.
E atenta a questão do tenis...tenho escolhido memso estar com um com poucas molas e leva-lo a todo lugar....mas é impressionante os detalhes ..os requintes de detalhes na sua observação do que tenho visto nas ruas e no parcão...todos os dias.
Linda a forma como você coloca som...cor e força em algo que todos veem sem dizer.

Beijinhos...mil deles..em todo vc

bom ver você aqui também.

 
At quarta-feira, 28 junho, 2006, Anonymous Anônimo said...

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