13.9.06

Das Culpas e Méritos

Das Culpas e Méritos

Por Paulo Heuser

Carregamos um fardo de culpas, ao longo da vida. O fardo fica mais pesado à medida que o tempo passa. Há quem acredite que não tem culpa, trata-se de mera ilusão. Estes são mais felizes, provavelmente.

Algumas das nossas culpas são endógenas, nós as cultivamos. Pequenos ou grandes atos que praticamos ou deixamos de praticar. Até certo ponto, podemos administrar essas culpas, praticando ou deixando de praticar outros atos que de certa forma compensem ou amenizem aqueles. Assim, passamos a carregar o mesmo fardo, compensado pela carga de méritos, pelo menos em parte. Alguns atos ou omissões causam danos irreparáveis. Destes carregaremos a culpa pelo resto da existência.

Outras culpas são exógenas – a nós atribuídas -, sobre as quais temos pouco ou nenhum controle. São as decorrentes de atos cometidos pelos nossos ancestrais ou as decorrentes da nossa inserção no meio social. Exemplo perfeito é a culpa carregada pelo povo alemão, nascido no pós-guerra, pelo extermínio de seis milhões de judeus. Ingleses, franceses, portugueses e espanhóis levam a culpa pelo colonialismo. Islâmicos pagam pelos ataques dos bandos de terroristas de turbante; os norte-americanos são culpados de tudo; católicos são responsáveis pela Inquisição; judeus carregam a culpa pela execução de Cristo. Os diferentes têm a culpa de não serem iguais.

Pais carregam a culpa pelos atos dos filhos; bebês são responsáveis pelas noites insones dos pais; médicos são culpados pelo ônus da consulta; bacharéis em Direito carregam a culpa pela defesa do eventualmente indefensável; oficiais de justiça levam a culpa pelo despejo da viúva.
Aos ricos é atribuída a culpa pela miséria da maioria; a classe média arrasta o fardo da culpa por tudo, já que tudo paga e mantém o estado das coisas; pobres carregam a virtude da pobreza, cultuada e alardeada por movimentos sociais que por vezes nada fazem, além do alarde. Àqueles não sobrou culpa, afora a penal. Mesmo esta vem sendo enaltecida como virtude.

Enfim, somos todos culpados de alguma coisa, em maior ou menor grau, por demérito próprio ou atribuído ao arrepio da nossa vontade. Já nascemos com o rótulo da culpa. Há um provérbio que apenas tenta reforçar a hereditariedade da culpa: “Filho de peixe, peixinho é”.
Do outro lado da moeda está o mérito, também tornado hereditário pelo provérbio acima. O mérito também pode ser dividido em endógeno e exógeno, criado ou atribuído. Apesar de tudo indicar que o mérito pode ser eliminado facilmente pela culpa, a prática não confirma esta hipótese.

O mérito exógeno, por sua vez, pode ser atribuído mediante publicidade, escondendo a culpa por detrás de uma imagem virtuosa. Verdadeiros monstros projetam a imagem de santos justiceiros. É apenas uma questão de investimento. Não em ações virtuosas, em publicidade.

Os únicos isentos de qualquer culpa são os inimputáveis, cuja publicidade temos de tolerar pela imposição da norma.

Resta a esperança de que o Mármore do Inferno exista, apesar da pouca publicidade.

E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At quarta-feira, 13 setembro, 2006, Blogger José Elesbán said...

Esta ficou meio "down", não ficou não?
E caso exista o "mármore do inferno", já que todos têm culpa, todos irão para lá?

 

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