3.9.06

O Tempo. O Tempo? Sim, o Tempo.

Publicada na Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 05/09/2006:
O Tempo. O Tempo? Sim, o Tempo.

Por Paulo Heuser

É a segunda vez que escrevo este título em um texto. A primeira foi em 1970 quando estava no que seria hoje a nona série (quarto ginasial) do Ensino Fundamental. O professor de Português lançou este tema, dentre dois, como opção para a redação (composição?). Não me recordo do outro, mas creio que era alguma abobrinha. Não entendo até hoje por que me lancei sobre algo tão estranho. Talvez já desse ouvidos à vozinha (de voz, não de avó!) me chamando para um caminho que demorei a trilhar.

Encontrei a redação, noutro dia. Percebi a ação do tempo sobre o papel, agora amarelado. Percebi também a passagem do tempo por considerá-la velha. Começamos a envelhecer quando julgamos velho algo que um dia percebemos como novo. Para a criança tudo é novo, até os idosos. Seja como for, saí-me bem, surpreendo-me até hoje com o que então escrevi. O mestre também gostou, pela nota e pelo comentário que até hoje está guardado.

Fiz um bom trabalho, consideradas época e idade. Já reparou que tudo gira em torno do tempo? Afora o título, já mencionei 18 vezes o tempo ou palavras com relação cronológica. Vinte com a última frase. Montei um texto que falava do efeito da passagem do tempo sobre os vaidosos. Ousei, com uma pitada de filosofia, ingênua, mas aceitável.

Hoje percebo a falta que fez a Filosofia, como disciplina, optativa que fosse, no Ensino Médio (Científico na época). A percebi novamente depois de ler A Crítica da Razão Pura, tradução de 1978 da segunda edição de 1787, do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), considerado o mais importante pensador moderno. Na primeira parte, que trata da Estética Transcendental, Kant define espaço e tempo, de forma impressionante. Recomendo a leitura àqueles que se encontrarem sozinhos numa praia deserta, num dia de vento e nuvens como o de hoje.

Como Kant coloca, só percebemos a passagem do tempo quando observamos mudanças nas coisas que estão no espaço, como o relógio. O próprio conceito de mudança só faz sentido quando alguma coisa é observada em tempos diferentes. Percebemos o surgimento das rugas como um sinal da passagem do tempo porque antes não estavam lá. Se apareceram, houve mudança, portanto o tempo passou. Ainda bem que os antigos não pensaram em medir a passagem do tempo através de algum dispositivo que medisse rugas. O Botox teria fulminado a medição. Pena que a anulação do efeito não anula a causa!

No Ensino Médio aprendemos que a velocidade é a medida da variação da distância (espaço) em função da variação do tempo. Os velocímetros dos automóveis indicam a distância (espaço) que vamos percorrer se mantivermos aceleração nula por uma hora (tempo). Aí está um papo legal, para mantermos com um policial rodoviário, quando autuados por excesso de velocidade: - O senhor estava me acompanhando, por uma hora, para poder afirmar que a minha velocidade era essa?

Nas disciplinas de Cálculo Diferencial aprendemos a manipular as equações que descrevem alterações nas coisas em função do tempo. Aqueles que seguem pelas áreas técnicas podem ter contato com a Relativística, que mostra que o tempo não passa da mesma forma para objetos se deslocando em velocidades diferentes. Esses fenômenos somente se tornam sensíveis, sem instrumentos muito sofisticados e precisos, quando as velocidades são muito altas, algo como dois terços da velocidade da luz.

Aprendo agora que aqui podíamos senti-los também no repouso. Aqui podíamos. Não sei por que, não podemos mais. O efeito da passagem do tempo não parecia o mesmo para todos nós. Sentíamos a diferença no dia-a-dia. Inicialmente, a violência parecia atingir apenas os miseráveis. Em algum momento evoluímos para um estado – e um Estado – onde a violência atingia miseráveis, pobres e remediados. Agora atinge a todos. Agora a violência se faz sentir para todos (espaço) a qualquer momento (tempo). Conquistamos finalmente a Democracia Transcendental não-Relativística! O mal equânime atemporal.

Não entendo o que motivou a mudança, pois os discursos continuam exatamente os mesmos. Também não entendo até hoje o que levou o professor Osvino Toillier a sugerir aquele tema para a redação.

Algo mudou.

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