17.9.06

Falta de Assunto

Falta de Assunto

Por Paulo Heuser

Sábado à noite recebi a sempre bem vinda visita de um velho amigo, o Leitor. Discutíamos a proximidade das eleições. Confessei que morro de medo de não ter mais assunto após as eleições. Falaremos de quem? Este ano de 2006 foi riquíssimo em assunto, tivemos a Copa do Mundo e as eleições. Tenho medo do vazio e do silêncio que ficarão após novembro. Ou será já em outubro?

Leitor ponderou que não é bem assim, não teremos mais os candidatos, mas os governos continuarão. Aleguei que não é a mesma coisa, enquanto candidatos é comedia, eleitos, é tragédia. Ele acabou me convencendo de que a tragédia pode ser uma tragicomédia, o que sempre pode render algum assunto.

Meu medo inconfessável é o de que tudo se resolva e não sobre nada a criticar. Ainda bem que um medo desses é completamente infundado. Aqui, pelo menos. Se vivesse na Suíça, escreveria sobre o quê? A safra de turistas com perna fraturada? O pH do leite da temporada? Aquela gente não pode ser realmente feliz. Sua maior emoção diária é atravessar a rua, com todos os carros parando.

Já me sinto um pouco melhor. Sobrou o Evo do Pulôver. E, pelo visto, ele não usou todo o arsenal ainda. Sobrou um porrete. Como não devolvemos o Acre, não devolverá o cavalo. E assim seguiremos nessa luta de rinha entre o galo e o gafanhoto. Este escudado pelo enfermeiro de Castro.

Quando o Evo conseguir aumentar o preço do gás, sobrarão outros assuntos. Enquanto alguém gostar de pizza de galinhada, ouvir a dupla Cremona e Tramela, beber vinho tinto suave, bombar som com os vidros do carro abertos, ler Antoine de Saint-Exupéry (e gostar, honestamente), eleger fantoches bolivarianos, cuspir na calçada e vender lugar na fila da saúde haverá assunto.

Na verdade, enquanto houver vida, há assunto. Os assuntos passam à nossa frente, escondidos para alguns, saltando e gritando para outros. Lá estão, esperando que alguém os capture. Que lhes dê vida. Pode ser uma questão de ângulo. É pegar ou largar, como a própria vida.

Gostaria de escrever sobre a sensação de voar com Antoine de Saint-Exupéry. Voava infinitamente melhor do que escrevia. Gostaria também de escrever sobre aquela fila de médicos ávidos por atender o pessoal da antiga fila da saúde. Talvez meu prisma esteja refratando a luz com a qual enxergo as coisas de uma forma diferente. Milhões leram o Pequeno Príncipe e adoraram. Cremona e Tramela lotam estádios e vendem milhões de CDs. Os bolivarianos têm seu fã clube lá, e por aqui. E há quem goste da fila, os que vendem lugares, pelo menos.

Não há tanto motivo para desespero. A campanha para a eleição de prefeitos e vereadores já está aí.
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