18.9.06

O Lápis

O Lápis

Por Paulo Heuser

Esqueci das minhas canetas em casa. Por sorte consegui um lápis emprestado. Por um tempo acreditei que os lápis haviam desaparecido. Não ficaram boas recordações deles, da infância. Os lápis eram extremamente frágeis. Um leve tombo os transformava em canudos de madeira recheados com guisado de grafite. Aí se entrava numa rotina de aponta-e-cai-a-ponta. Eram caros também. Não dava para comprar outro sem uma boa justificativa. Os lápis também não resistiam muito bem aos duelos. Se os oponentes estivessem com roupas muito resistentes, as pontas quebravam.

Além de um bom lápis, era importante ter um bom apontador. Na falta de depósitos para as raspas dos lápis apontados, os bolsos, pastas, o lanche dos colegas, qualquer lugar, que não o lixo da classe, servia. Os maníacos por pontas ficavam tentando apontar mais o lápis. Língua para fora pelo canto da boca, olhar estrábico convergente e grande concentração eram os elementos necessários à confecção de uma ponta afiadíssima, que ia para o beleléu na primeira tentativa de escrever. Foi o início da nanotecnologia - nanotubos de grafite.

Lápis bom é lápis mordido. Morder o lápis traz diversos benefícios. Relaxa, marca território – ninguém gosta de lápis cheio de saliva de outrem – e evita que ele role com muita facilidade, caindo da mesa. Os lápis com borracha na ponta foram uma evolução e um retrocesso, ao mesmo tempo. Se por um lado dispensaram a borracha, por outro lado impediram a manutenção de duas pontas no mesmo lápis. Com uma ou duas pontas, nunca é recomendável carregá-los nos bolsos. Se não furarem suas calças, furarão sua perna, se tiver a sorte de não furar outras coisas.

Bons lápis tinham grafite com bom gosto. Não sei por que, havia quem molhasse a ponta do lápis na boca, a cada uso. Acabavam com os lábios e a ponta da língua cinzas. Ainda bem melhor do que o estado da boca de quem manteve o hábito com as primeiras canetas. Na segunda ou terceira séries se ganhava a primeira caneta-tinteiro, que só podia ser usada na aula de caligrafia. Não dava para errar. Essas canetas só traziam uma certeza. Algo ou alguém sairia borrado. Borrões nas calças, na camisa, na pasta, em qualquer lugar. Talvez por isso o nome da tinta era “azul real lavável”.

Desgraça mesmo foi trazida pelas primeiras esferográficas. Qualquer variação de temperatura provocava o vazamento da tinta. Tinta esta não lavável. Quando não vazavam, borravam o papel, dando aquele acabamento de corrida de galináceos que os mestres tanto apreciavam. As roupas manchadas iam direto para o lixo ou eram tingidas de azul-marinho para combinar com a mancha.

Outro dia vi camelôs vendendo lápis flexíveis. Dá para dar um nó neles e continuam funcionando. Que gosto terá aquele grafite?

Após uma época em que todo mundo que trabalhava com informática tinha de usar lapiseiras 0,5 mm, mesmo que não soubessem para que, fiquei um bom tempo afastado dos lápis e lapiseiras. Adotei as canetas esferográficas baratinhas. Até que voltei aos bancos escolares. Durante a primeira prova de uma disciplina de Física, a professora parou ao meu lado, observou a cena durante algum tempo, e comentou:

- não sei como era no teu tempo, mas hoje em dia ninguém preenche uma prova de Física à caneta!

E-mail: prheuser@gmail.com