13.10.08

475 - Gritos no silêncio



Foto: Wikipedia
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Gritos no silêncio

Por Paulo Heuser


As salas de espera são seu habitat. Eles ou elas atacam nos locais onde reina algum silêncio. São os gritadores. Eles não têm controle sobre o volume da voz. Só têm duas intensidades: estupidamente alto ou espantosamente alto.

Eu tenho azar, no que diz respeito às salas de espera. Chego lá, dez minutos antes do horário marcado e espero, espero e espero. Salas de espera servem para isso, senão seriam salas de recepção ou de atendimento. O único que não espera na sala de espera é o homem dos brindes do laboratório farmacêutico. Ele chega e vai entrando, após um rápido papo com a recepcionista. Os extintos vendedores de enciclopédia gozavam do mesmo privilégio, pois eram confundidos com os homens do laboratório, pois usavam pastas muito semelhantes.

Se eu ficasse esperando com pessoas normais, tudo bem. O problema é que sempre surge um gritador. Os mais experientes chegam com pelo menos uma hora de antecedência, pois gostam da companhia das outras pessoas: os ouvintes. Na semana passada foi a mesma coisa de sempre. Cheguei um pouco antes do horário marcado e me sentei numa poltrona que pareceu confortável. O silêncio já fazia efeito, pois minha cabeça começou a pender para o lado. Eu passava de beta para alfa, quando a gritadora entrou na sala de espera. O boa tarde ecoou pelo prédio todo. Uma criança que acompanhava a mãe escondeu-se sob um banco e pôs-se a chorar. Se houvesse cães, teriam ganido e fugido. O grito me arrancou do quase-alfa e me trouxe a pavorosa realidade. Ela não era vendedora de remédios e deveria esperar como todos os demais.

- Vim tentar um horário mais cedo, queridinha! – trovejou a gritadora – Se não tiver, não faz mal. Eu espero!

A gritadora mergulhou numa Caras velha e sebenta. O hino de um time de futebol anunciou que alguém queria falar com a gritadora ao celular.

- Fala mocréia! – novo trovão oral.

- Quem fala? – ou seria quem ruge?

- É a Telminha, cê tá brincando, não tá?

- Engano? – a gritadora olhou para o aparelho enquanto gritou:

- Mal-amada! Desligou, só porque foi engano!

Refeita da ligação ela olhou em torno à procura de uma vítima. Fingi que dormia. Com o canto do olho fechado consegui ver que a gritadora voltou à Caras. Foi passando as páginas enquanto molhava os dedos na língua. Novo rugido:

- O quê? A Mulher Rabanete se casou novamente? Cê viu só? – dando um cutucão com o cotovelo na mulher sentada ao lado. Esta ignorou a provocação. A gritadora ignorou a indiferença e voltou à carga com seu assunto preferido: doença.

- Menina, eu vim da casa da comadre que pegou frieira na boca. Coisa feia! Ela não pode nem falar. Eu falei para ela chupar abacaxi.

A sala de espera continuou em silêncio. Ninguém mordeu a isca. Porém, ela não desistiu, já que um gritador nunca desiste, nem com o sugador de saliva colocado na boca. A Telminha só reduziu o volume uma vez na vida, quando o dentista colocou uma forma com molde de gesso na boca. Não que ele precisasse do molde. Precisava de alguns segundos de silêncio. Telminha continuou virando as páginas enquanto narrava a revista:

- Aqui não diz, mas eu soube de fonte segura que a Narinha pegou lúpus. Cê sabe o que é lúpus? – novo cutucão na vizinha de banco. Como não obteve resposta, mudou de assunto.

- Amanhã estou embarcando para Macapá. Tem um sujeito lá que quer que eu case com ele. Ele só funciona com aqueles remédios, mas se ele pode comprá-los, que mal faz?

Os gritos da mulher tornaram-se insuportáveis. Ora narrava a Caras, ora complementava com as doenças sei lá de quem. Todos que ela conhecia estavam doentes. Foi demais para mim. Eu não agüentava mais aquela gritaria. Com um megafone na mão essa mulher poderia se tornar uma arma sindical de dobrar qualquer patrão. Resolvi desistir da consulta e voltar noutro dia.

- Será que o Dr. Sérgio teria horário disponível amanhã? – perguntei à recepcionista.

A gritadora reagiu de pronto:

- Dr. Sérgio? Aqui não é o instituto de beleza da Ilse?

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