19.10.08

478 - O Enigma de Mesquita-Medeiros

Kaspar Hauser
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O enigma de Mesquita-Medeiros

Por Paulo Heuser


Ansbach e Nuremberg são cidades da Baviera, Alemanha, que têm mais em comum do que pertencerem à região da Média Francônia. Uma pequena, outra maior, elas estão recheadas com muralhas e prédios em arquitetura enxaimel (Fachwerk). Ao andar pelas suas ruas estreitas tem-se a impressão de percorrer as vias de um conto de fadas. O que as liga mais é o fato de serem berço e túmulo de Kaspar Hauser. Quem é ele? Bem, isso não interessa. O que interessa é que lá surgiu o Enigma de Kaspar Hauser. Um enigma que leva um nome sonoro e composto, como convém a qualquer enigma.

Lá no início da Rua da Praia fica a Praça Brigadeiro Sampaio. Quem foi o Brigadeiro Sampaio? Ora, ao pesquisar sobre Kaspar Hauser aproveite para descobrir quem foi o Brigadeiro Sampaio. Naquela praça há uma árvore enorme, ao lado do quartel da Marinha, que apresenta raízes aéreas de mais de dois metros de altura. Creio que é um Ficus qualquer-coisa. Há uma irmã dela, porém menor, ao lado da passarela do Parcão de Moinhos de Vento. Eu já havia ouvido falar de um enigma envolvendo a tal da árvore da Brigadeiro Sampaio. O folclore local relata a ocorrência de estranhas aparições junto à árvore. Um homem desapareceria, ocasionalmente, em meio às raízes. Há também relatos de um vulto que surge do meio das raízes e se perde em meio aos freqüentadores da praça. Alguns freqüentadores contumazes do lugar dizem que alguém mora entre as raízes do Ficus qualquer-coisa.

Na verdade, isso nunca foi problema meu, pois não moro nem na Baviera, nem na Rua da Praia. Porém, hoje deixei o carro na Siqueira Campos, entre os quartéis da marinha e do exército, e fui caminhar na orla do Guaiba. Não pude deixar de reparar na tal da Ficus qualquer-coisa. O conjunto de raízes ocupa vários metros quadrados. Tudo teria terminado como termina qualquer domingo maravilhoso e ensolarado, não fosse pela aparição do homem do Ficus qualquer-coisa. Eu retornava ao carro quando percebi o vulto de um homem que entrava em meio às raízes da árvore. Eu não resisti à tentação e dei a volta em torno das raízes. Nada do homem. Teria ele saído pelo outro lado? Tentei pegá-lo no contrapé e dei a volta pelo outro lado. Nada, ninguém, apenas raízes, Perplexo dei mais duas voltas na árvore, nada encontrando.

- Senhor... – disse uma voz atrás de mim.

Percebi um senhor de idade que levava um cão a passear. Ele parecia divertir-se com minha perplexidade.

- Aquele que sumiu em meio às raízes é o Seu João. Ele deve caminhar meia hora ao redor da praça, por recomendação médica, mas tem a bexiga meio frouxa. Como mora no terceiro andar de um edifício cujo elevador não funciona desde 1948, ele deságua na praça. Some no meio das raízes.

De fato, quando o homem terminou de falar, Seu João saiu do meio das raízes, visivelmente aliviado, e retomou sua marcha. O Enigma do Seu João seria muito comum, muito coisa nenhuma. Não sei o sobrenome dele, portanto resolvi batizá-lo Mesquita-Medeiros, nome sonoro e composto, como convém a qualquer enigma.

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