481 - Chapéu-de-chuva
Foto: Wikipedia
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Chapéu-de-chuva
Por Paulo Heuser
Talvez não haja objeto tão amado e tão odiado como o guarda-chuva. O barômetro é quem dita a regra, e a regra é: sempre chove quando se deixa o guarda-chuva em casa e sempre faz sol quando se traz o maldito. Desde que o guarda-chuva deixou de ser bem durável, acontece um fenômeno. Surge um exército de vendedores de quarda-chuvas de “dérreal” – dez reais, em cameloniquês -, ao cair das primeiras gotas. Basta um ar-condicionado pingar, e já há alguém berrando para oferecer os modernos, minúsculos e descartáveis: “Tomático o guarda-chuva!” – guarda-chuva automático.
Os equipamentos de “dérreal”, e nada, são a mesma coisa, só que nada é de graça, enquanto aqueles custam – ou será custa? – “dérreal”. O preço varia conforme varia a quantidade de chuva. Um “dérreal” pode sair por “sete real”, se a chuva parar, ou até por “vinte real” se a chuva for muita e os clientes em potencial aparecerem no final do expediente. De qualquer forma, duas coisas permanecem invariáveis: real sempre fica no singular, e o guarda-chuva chama-se “dérreal”, seja qual for o preço pago.
Os “dérreal” devem ser fabricados no mesmo lugar, pois são idênticos, seja aqui, seja na China. Todos têm um botão dourado junto ao cabo que já vem solto de fábrica. O tal do botão serve, em tese, para abrir “tomaticamente” o guarda-chuva. O botão dourado é herança da origem do equipamento. Até bem pouco, acreditava-se que o guarda-chuva teve origem na Mesopotâmia, há 3400 anos. Porém, o Dr. Heinrich Sodbrennen-Brausetabletten, da Universidade da Eritréia, contesta essa versão da história. Ele alega, inicialmente, que na mesopotâmia a chuva é, e era, muito escassa. Assim, os mesopotâmios podem ter inventado o guarda-sol, não o guarda-chuva. Faz sentido. Além do mais, o Dr. Sodbrennen-Brausetabletten – ou Heinz, como prefere ser chamado – encontrou antigos escritos gregos que narram uma estranha história envolvendo um tal de Zeus, deus que costumava dar presentes de grego. Também faz sentido, pois ele era efetivamente grego, e ainda não havia lojas de 1,99 talentos que vendessem artigos chineses.
Os textos desenterrados pelo Heinz contam que Zeus mandou sua filha Pandora se casar com Epimeteu, irmão de Prometeu – aquele cujo fígado foi devorado pelo abutre Éton. Pandora trouxe uma caixa – as mulheres sempre as trazem –, e Epitemeu não resistiu à tentação de ver o que havia lá dentro. Apertou o botão dourado e abriu a caixa da Pandora, que continha toda sorte de desgraças, como o trabalho, a doença, a loucura, a mentira e a paixão. Espalhada a desgraça, restou apenas a esperança, no fundo da caixa.
O “tomático” e a caixa da Pandora têm algo em comum: o botão dourado. Melhor não pressioná-lo, pois nunca se sabe o que pode acontecer. Porém, há diferenças. Na caixa da Pandora restou a esperança. No “tomático” não há esperança. Mais, Pandora tentou livrar-se da caixa, e não teve sucesso. O “tomático” vai para o lixo, de onde nunca deveria ter saído.
Resta falar do chapéu-de-chuva. Um feio dia estive na Bahia. Sim, era um feio dia, pois chovia há dias. Descobri que na Bahia havia muito sol acima das nuvens. Entrei numa daquelas lojas que vendem desde o berimbau até o colchão de coco anão, e pedi um guarda-chuva. Acontecerem duas coisas. Primeiro, o Luis Antunes – o primeiro português a não se chamar Manuel – desatou a rir, pois os brasileiros vurros – burros? - chamavam o chapéu-de-chuva de guarda-chuva. Não preciso lembrar a reação dele quando embarcou comigo no autocarro, que eu desastradamente chamei de ônibus. Poderia ser pior, pois em Angola embarcaríamos no machimbombo. Segundo, o vendedor me dizia que não havia guarda-chuvas à venda na Bahia, pois lá sempre faria sol. Então descobri por que os turistas norte-americanos carregam berimbaus pela rua, quando chove. Tive que levar um berimbau para convencer o sujeito a me vender um dos guarda-chuvas que escondia em meio às carrancas esculpidas em madeira. O Luis Antunes continuava a rir. Restou a sorte de não embarcar no machimbombo.
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