482 - Pardon?
Por Paulo Heuser
Os que têm a sorte de percorrer o sul da França certamente ficam impressionados com a beleza da costa mediterrânea, que se estende desde Garavan, na região provençal dos Alpes Marítimos franceses, na Costa Azul, até Cerbère, nos Pirineus Orientais, junto à fronteira catalã da Espanha, na Costa Vermelha. O mar sempre apresenta coloração azul impressionante, ao longo dessa costa, muito ressaltada pelas pedras brancas. O sol completa o espetáculo, desde as agitadas praias orientais, como Nice e Cap Ferrat, até as aldeias de pescadores do extremo ocidental, como Cerbère. Esta se localiza ao lado da região administrativa francesa de Languedoc-Roussillon, célebre berço do Catarismo, seita religiosa que enfrentou a Igreja Católica e teve seu auge no Século XI.
Os cátaros rejeitaram muitos dos dogmas católicos e se recusaram à conversão. Sua doutrina se fundamentava, entre outras coisas, na crença de que o homem surgia do mal, mas poderia salvar-se mediante uma vida de boas ações. Também rejeitaram o poder papal e a discriminação da mulher na religião. Algo de sua doutrina foi incorporada pela Reforma Protestante. O Papa Inocêncio III, de forma nada inocente, promoveu a Cruzada Albigense – de Albi – e logrou a eliminação da heresia cátara, ao longo de 40 anos de perseguições e queima de fiéis na fogueira.
A região de Languedoc produz, desde muito, boa parte dos vinhos de mesa franceses. São os vinhos que os operários franceses consumiam durante as refeições (Midi-vin), elaborados, em sua maioria, a partir das uvas Aramon e Carignan, consideradas viníferas pobres. Os apreciadores dos vinhos finos das regiões de Bordô e da Borgonha torcem o nariz só de ouvir falar dos vinhos de Languedoc. Estes não são vinhos para aqueles que conseguem identificar traços de cerejas silvestres torradas da Tanzânia, no retrogosto, e aroma de bucha do canhão Berta, no buquê. São vinhos menos sofisticados e bem mais baratos que seus vizinhos de Bordô e da Borgonha.
Nos últimos 30 anos, algo mudou naquela região francesa. Muitos produtores de vinhos passaram a apostar nas uvas Cabernet Sauvignon, Syrah, Chardonnay, Viogner e Grenache, consideradas as melhores viníferas. Os resultados logo apareceram, e hoje há grandes vinhos de Languedoc. Alguns receberam mais de 90 pontos na escala da prestigiosa publicação Wine Spectator, que vai de zero a 100. Esta classe de vinhos – com gradação acima de 90 - certamente agrada aos que sabem reconhecer o aroma da bucha do canhão Berta. Contudo, os apreciadores de bons vinhos continuaram a torcer o nariz para a designação de origem da região de Languedoc-Roussillon.
Alguns produtores de Languedoc apelaram para o bom-humor e a criatividade. Criaram um rótulo realmente inusitado, no qual se lê: Vin de Merde – isso mesmo: Vinho de Merda. Tem até uma mosca no rótulo. Foi um sucesso absoluto, ainda mais por apenas sete reais a garrafa. Os cátaros cometem nova heresia. Só que desta vez ninguém vai queimá-los na fogueira.
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